Dr. Marcelo Valadares, referência em neurocirurgia funcional e no tratamento da dor crônica na Unicamp, avalia como novas terapias e tecnologias ampliam as possibilidades para os pacientes
A busca por terapias mais eficazes, seguras e personalizadas para dor crônica têm levado a avanços que proporcionam mais qualidade de vida aos pacientes. Os novos recursos para as disfunções no sistema de dor incluem medicamentos e dispositivos que agem diretamente nos mecanismos responsáveis pela percepção da dor - uma área que, até pouco tempo atrás, carecia de inovações.
A dor crônica é uma alteração no controle do sistema da dor, mesmo na ausência de estímulo externo. É considerada crônica quando persiste por mais de três meses e há dificuldade na regulação do desconforto. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a condição faz parte da realidade de cerca de 30% da população mundial.
As novas abordagens terapêuticas têm o objetivo de modular o sistema nervoso de forma mais precisa, reduzir os efeitos colaterais e oferecer o controle duradouro da dor. “Com a evolução nos tratamentos, podemos agir com cada vez mais precisão sobre os mecanismos da dor a fim de restabelecer o sistema nervoso e não apenas aliviar o sintoma momentaneamente. Associadas a uma avaliação individualizada do paciente, elas aumentam as chances de um manejo mais efetivo e de uma melhora concreta na qualidade de vida do paciente”, avalia o Dr. Marcelo Valadares, neurocirurgião especialista em dor e membro da disciplina de Neurocirurgia da Unicamp, onde é responsável pela subárea de Neurocirurgia Funcional.
Novos medicamentos para a dor
A comunidade médica acompanhou, ao longo deste ano, a chegada de novos fármacos aprovados pela FDA que ampliam as opções de cuidado para casos complexos de dores crônicas, como fibromialgia e neuropatias.
O Tonmya™ (TNX-102 SL) é o primeiro medicamento voltado à fibromialgia a obter aval regulatório em mais de 15 anos. Essa formulação sublingual de ciclobenzaprina desenvolvida para uso noturno visa restaurar a qualidade do sono para reduzir a dor difusa, a fadiga e melhorar o desempenho funcional dos pacientes.
Também já disponível no mercado norte-americano, a suzetrigina (Journavx™) representa um marco no desenvolvimento de analgésicos não opioides em um mercado em que o uso dessas substâncias é motivo de preocupação. Seu mecanismo de ação se dá pelo bloqueio seletivo do canal de sódio NaV1.8, responsável pela condução do estímulo doloroso nos neurônios periféricos. Essa atuação permite manejar a dor aguda de forma eficaz e com menor risco de dependência. Embora a aprovação tenha sido voltada à dor aguda, estudos clínicos seguem avaliando seu potencial em quadros de dor crônica e neuropática.
Enquanto isso, o mercado asiático está se consolidando como um polo de inovação em analgésicos voltados às neuropatias, com o lançamento de dois novos medicamentos recentemente. A mirogabalina (Tarlige®) e a crisugabalina (HSK16149) atuam sobre os canais de cálcio do tipo α₂δ - o mesmo alvo da pregabalina -, mas foram desenvolvidas para oferecer maior seletividade e melhor tolerância, com menor incidência de sonolência e tontura, efeitos colaterais comuns em gerações anteriores. Já aprovadas e disponíveis no Japão e na China, esses medicamentos têm mostrado bons resultados em pacientes com neuropatia diabética periférica e neuralgia pós-herpética, condições que costumam gerar dor persistente e difícil de controlar.
Avanços em neuromodulação para dor crônica
A neuromodulação é uma abordagem terapêutica que aplica estímulos elétricos ou magnéticos para regular a atividade dos circuitos neurais envolvidos na percepção da dor. Embora ainda seja considerada uma área relativamente recente, o campo vem se expandindo rapidamente, com aprimoramentos tecnológicos que tornam os dispositivos mais precisos, seguros e adaptados ao perfil de cada paciente.
Em abril de 2024, a FDA aprovou o Inceptiv™, o primeiro estimulador de medula espinhal com circuito fechado. Esse sistema inteligente é capaz de “ouvir” as respostas do sistema nervoso e ajustar, em tempo real, a intensidade da estimulação elétrica aplicada à medula espinhal. Ao se autorregular, o dispositivo evita episódios de superestimulação desconfortáveis, comuns em modelos tradicionais, e melhora a experiência clínica do paciente com dor crônica.
Os dados clínicos de 12 meses são promissores para os pacientes com dor lombar crônica: 82% relataram redução de pelo menos 50% da dor, 50% reduziram ou interromperam o uso de opioides e 87% apresentaram ganhos em múltiplos domínios de qualidade de vida. “No Brasil o primeiro implante com este modelo de estimulador foi realizado em setembro de 2025, na rede particular. Não há previsão de disponibilidade no sistema público, o que evidencia uma lacuna entre inovação e disponibilidade”, analisa o especialista em dor crônica. Para ele, a tecnologia representa um avanço real no controle da dor.
Abordagens menos invasivas em neuromodulação também estão em estudo. Embora sem novas aprovações específicas para dor no último ano, a Estimulação Magnética Transcraniana (TMS) é estudada como terapia adjunta para modular circuitos cerebrais relacionados à percepção da dor, especialmente em casos de dor neuropática central, quando aplicada em protocolos combinados e integrados com outras modalidades de neuromodulação.
“Temos um movimento global para ampliar o arsenal terapêutico da dor crônica para que nenhum paciente viva com o desconforto”, observa o médico. Contudo, ele ressalta que já existem estratégias consolidadas para a dor que apresentam bons resultados quando conduzidas de forma adequada e integradas. “Analgésicos, anti-inflamatórios, fisioterapia especializada, exercícios físicos e psicoterapias continuam sendo pilares no manejo da dor de intensidade moderada ou severa, com acompanhamento contínuo e individualizado. Casos severos podem se beneficiar de intervenções cirúrgicas ou neuromodulatórias”, explica o Dr. Valadares. Os cuidados devem ser feitos sob supervisão médica para garantir segurança e aumentar as chances de adesão ao tratamento e resultados duradouros.
Sobre o Dr. Marcelo Valadares:
Dr. Marcelo Valadares é médico neurocirurgião e pesquisador da Disciplina de Neurocirurgia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A Neurocirurgia Funcional é a sua principal área de atuação. Seu enfoque de trabalho é voltado às cirurgias de neuromodulação cerebral em distúrbios do movimento, cirurgias menos invasivas de coluna (cirurgia endoscópica da coluna), além de procedimentos que envolvem dor na coluna, dor neurológica cerebral e outros tipos de dor.
O especialista também é fundador e diretor do Grupo de Tratamento de Dor de Campinas, que possui uma equipe multidisciplinar formada por médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, psicólogos e educadores físicos.
No setor público, recriou a divisão de Neurocirurgia Funcional da Unicamp, dando início à esperada cirurgia DBS (Deep Brain Stimulation – Estimulação Cerebral Profunda) naquela instituição. Estabeleceu linhas de pesquisa e abriu o Ambulatório de Atenção à Dor afiliado à Neurologia.
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