AFRMM avança como política pública estratégica para o futuro da logística, da economia brasileira e da indústria naval brasileira



 


Por Pascoal Gomes

Em tempos de escassez fiscal, desigualdade regional e urgência climática, poucos instrumentos de política pública oferecem resultados tão concretos, mensuráveis e anticíclicos, para a logística, a economia e a indústria naval brasileira, quanto o AFRMM (Adicional ao Frete para Renovação da Marinha Mercante).

De um modo geral, o AFRMM é uma contribuição incidente sobre o frete marítimo na entrada de mercadorias nos portos brasileiros. Criado para impulsionar o transporte aquaviário no Brasil e financiar o desenvolvimento de sua indústria naval, o adicional vai além de sua função arrecadatória, tornando-se uma alavanca estratégica de crescimento econômico com impacto direto em pelo menos 10 setores produtivos, do aço à energia, da construção naval ao varejo, da logística à formação profissional.

Empregos e estrutura produtiva

Segundo o estudo “A importância do AFRMM para o Brasil – Sumário Executivo”, elaborado pelo Instituto ILOS, entre 2009 e 2023, foram viabilizados R$ 42 bilhões em investimentos por meio do AFRMM, resultando na construção ou modernização de quase 2 mil embarcações, o que gerou cerca de 81 mil empregos anuais diretos e indiretos.

Além da indústria naval, esses recursos movimentaram estaleiros, fornecedores de aço, fabricantes de motores e guindastes, serviços de engenharia naval e logística portuária, muitos deles localizados em regiões historicamente desfavorecidas. Quase metade desses investimentos foi direcionada às regiões Norte e Nordeste do País, contribuindo para um maior equilíbrio na industrialização do território nacional, possibilitando um maior desenvolvimento regional.

Outro efeito estrutural está na formação de mão de obra especializada. O AFRMM estimula centros de capacitação técnica que preparam engenheiros, operadores e técnicos especializados para atuar em uma cadeia produtiva complexa, que o país não pode se dar ao luxo de perder.

Logística mais eficiente e menos poluente

O fortalecimento do transporte aquaviário também tem implicações diretas na eficiência e na sustentabilidade da logística brasileira. Embora o modal rodoviário continue sendo essencial na distribuição capilar de cargas, sobretudo no transporte de curta distância, sua predominância isolada acarreta custos elevados e impactos ambientais significativos.

A navegação interior e de cabotagem, além de mais econômicas, principalmente nas médias e longas distâncias, emitem até 80% menos CO₂ por tonelada transportada, o que contribui com as metas brasileiras para redução de emissões de GEE (Gases de Efeito Estufa) em uma política de descarbonização e sustentabilidade.

Expandir esses modais deve ser uma decisão estratégica, uma vez que, além de mais limpos e previsíveis, são eles que viabilizam o abastecimento de regiões remotas e populações ribeirinhas, sobretudo na Amazônia, onde a hidrovia não é uma opção, mas o único caminho possível.

Diante disto, o AFRMM é o instrumento que torna isso viável, pois garante a manutenção, ampliação e modernização da frota de embarcações brasileiras, dedicadas ao atendimento desses mercados, assegurando regularidade no abastecimento e evitando o aumento do custo de vida em comunidades mais isoladas.

Muitas dessas rotas simplesmente não se sustentariam economicamente sem o benefício do AFRMM como um mecanismo de apoio. A perda desse incentivo também prejudicaria a capacidade do Brasil de ter uma política nacional de transporte que integre o território, reduza desigualdades e ajude a cumprir metas ambientais.

A ausência desse recurso geraria, em pouco tempo, desestruturação de rotas, perda de regularidade no abastecimento e encarecimento do frete para as cidades da Região Norte, principalmente para pequenas comunidades, com impacto direto no custo de vida e na oferta de produtos essenciais.

Perspectivas e riscos para a indústria naval

A indústria naval brasileira já viveu ciclos de crescimento, mas também enfrentou retrações, escassez de crédito e instabilidade institucional e política. Mesmo assim, mantém um potencial relevante. Mesmo que o AFRMM não resolva todos os seus desafios, ele cria uma base mínima de viabilidade que permite que a capacidade produtiva não seja desativada por completo, visto que esse benefício é utilizado pelas Empresas Brasileiras de Navegação (EBNs), principalmente, nos serviços de docagem, manutenção e reparo, que ocorrem nesses estaleiros nacionais.

E esse é um dos pilares, pois, mais do que garantir a continuidade da indústria naval, esse recurso assegura sua capacidade de continuar existindo com alguma previsibilidade. Sem esse suporte, os estaleiros fecham, a mão de obra se dispersa e a cadeia de fornecedores se desmonta. Levando isso em consideração, mais do que uma fonte de investimento, o AFRMM tem se mostrado uma ferramenta estratégica de política industrial, ambiental e regional. Enfraquecê-lo seria minar a capacidade do Brasil de manter uma indústria naval minimamente ativa, competitiva e preparada para a transição energética.

Para se ter uma ideia, um estudo recente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com apoio da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), demonstrou que o AFRMM é uma das poucas fontes de recursos públicos com efeito multiplicador direto sobre o PIB, a indústria e o emprego, com impactos particularmente relevantes no fortalecimento da indústria de base e na integração da economia brasileira. A partir do estudo, constatou-se que cada R$ 1,00 investido via AFRMM gera R$ 2,60 em impacto econômico total.

A partir de uma perspectiva geral, o Brasil precisa de políticas públicas que entreguem resultados e tenham visão de futuro, e o AFRMM, com grande potencial de integrar regiões, gerar empregos, reduzir emissões e impulsionar as mais diversas indústrias, pode ser a chave para esses resultados. Enfraquecê-lo agora seria um retrocesso, e custaria muito mais no futuro.

Ainda assim, o AFRMM tem sido alvo de questionamentos, cortes e tentativas de extinção, quase sempre com o argumento simplista de que se trata de um “custo” para o setor produtivo. Sim, é possível, e necessário, reforçar sua governança, melhorar os critérios de aplicação, buscar maior articulação com outras iniciativas federais como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), a Nova Indústria Brasil e a política nacional de transporte sustentável, além de fomentar sinergias com programas de transição energética e desenvolvimento regional. Entretanto, o AFRMM já provou seu valor e é a principal fonte de financiamento para manutenção, ampliação e modernização do modal aquaviário no Brasil, que integra regiões, gera empregos, reduz emissões e impulsiona a indústria. É hora de aprimorá-lo, não de enfraquecê-lo.

Desta forma, legislar a favor do AFRMM é legislar a favor de empregos, da competitividade logística, da soberania industrial e da redução das desigualdades regionais. O que está em jogo é a capacidade do Brasil de investir em seu próprio desenvolvimento e de sua população de maneira inteligente, planejada e contínua.

Homem de barba e camisa azul

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Pascoal Gomes é Vice-Presidente Financeiro e de Relações com Investidores da Log-In Logística Integrada, grupo de soluções logísticas, movimentação portuária, navegação de Cabotagem e Mercosul, além de atuação na ponta rodoviária

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