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Caroline Daitx e Gabriel Huberman Tyles fotos/Moniz Caldas e divulgação |
"Diferenciar suicídio de homicídio exige uma análise técnica rigorosa e multidisciplinar"
No dia 10 de setembro, o mundo volta seus olhos para a conscientização sobre a saúde mental e a prevenção ao suicídio. A data, reconhecida como o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio, é marcada por ações da campanha Setembro Amarelo, que neste ano reforça o lema “Agir salva vidas”.
Segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 700 mil pessoas tiram a própria vida todos os anos em todo o mundo. Esse número, no entanto, pode ser ainda maior, considerando os casos subnotificados — acredita-se que o total ultrapasse um milhão de ocorrências anuais. No Brasil, os registros oficiais apontam cerca de 14 mil mortes por suicídio a cada ano, o que representa uma média preocupante de 38 vidas perdidas por dia.
Diante desse cenário preocupante, além da prevenção, é essencial discutir a importância da perícia médico-legal na investigação de mortes suspeitas, especialmente quando há dúvidas sobre a natureza da ocorrência — se foi suicídio ou homicídio forjado.
A médica legista Caroline Daitx, especialista em medicina legal e perícia médica, explica que diferenciar suicídio de homicídio exige uma análise técnica rigorosa e multidisciplinar. “O exame do local da morte é o primeiro passo: a posição do corpo, sinais de luta, desordem no ambiente e objetos fora do padrão esperado podem indicar manipulação da cena. No corpo da vítima, lesões superficiais conhecidas como “feridas de hesitação” são comuns em suicídios, enquanto lesões incompatíveis com autolesão sugerem agressão externa. Em casos de arma de fogo, a presença de lesão de contato é típica de suicídio, ao passo que disparos à distância ou múltiplos são mais compatíveis com homicídios”.
Vestígios biológicos e digitais também são fundamentais. “Impressões digitais em armas, cordas ou copos, bem como a presença de DNA de terceiros, podem indicar a participação de outra pessoa. O histórico médico e psicológico da vítima, incluindo indícios de depressão ou comportamento suicida, contribui para estabelecer o nexo causal entre o estado emocional e o ato”, detalha a perita.
Casos de enforcamento exigem atenção especial. De acordo com a especialista, em suicídios, o sulco no pescoço costuma ser oblíquo, ascendente e incompleto, enquanto em homicídios simulados o sulco é horizontal, completo e compatível com estrangulamento manual. “Fraturas na cartilagem tireoide ou hióide, equimoses em braços e face, e incompatibilidades na altura do ponto de fixação da corda são sinais que podem indicar manipulação da cena. A rigidez cadavérica incompatível com a posição encontrada ou a ausência de sangue gravitacional coerente também são elementos que levantam suspeitas”, completa a médica.
“A comunicação entre o perito criminal e o médico legista deveria acontecer para investigações mais eficazes. Enquanto o perito criminal analisa a dinâmica do local e os vestígios materiais, o médico legista examina o corpo e os mecanismos da morte. A troca de informações entre esses profissionais evita conclusões isoladas e aplica a Teoria do Queijo Suíço, que mostra como múltiplas barreiras analíticas reduzem a chance de erro”, explica a médica.
A correta definição entre suicídio e homicídio tem implicações éticas, emocionais e legais. “O Código de Ética Médica reforça que o médico perito deve atuar com independência, isenção e respeito à dignidade da pessoa falecida. Para os familiares, a conclusão pericial afeta diretamente o processo de luto e a memória da vítima. No aspecto legal, o Código de Processo Penal exige exame de corpo de delito para elucidar as causas da morte, e um laudo mal fundamentado pode gerar injustiça, prejudicando tanto os familiares quanto possíveis acusados”, finaliza a perita.
Crime de induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio ou à automutilação
Do ponto de vista jurídico, o advogado criminalista Gabriel Huberman Tyles, mestre em Direito Processual Penal, do escritório Euro Filho e Tyles Advogados, explica que o artigo 122 do Código Penal tipifica como crime o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio ou à automutilação, com pena de seis meses a dois anos. Essa pena pode ser aumentada em casos envolvendo menores de idade, vítimas com capacidade reduzida de resistência ou quando o crime é praticado por meio da internet ou redes sociais.
O penalista esclarece que, “se a vítima tiver menos de 14 anos ou for incapaz de oferecer resistência, o autor pode responder por lesão corporal gravíssima (pena de 2 a 8 anos) ou por homicídio (pena de 6 a 20 anos), dependendo do resultado. A legislação também prevê agravantes para líderes ou administradores de grupos virtuais que incentivem essas práticas”.
O advogado faz a seguinte diferenciação, a depender do tipo de participação: “induzir é incutir a ideia do suicídio, instigar é reforçar uma ideia já existente, e auxiliar significa contribuir materialmente para o ato, como fornecer arma, corda ou veneno. Em todos os casos, há responsabilização penal conforme previsto na lei”, ressalta Tyles.
Fontes:
Caroline Daitx: médica especialista em medicina legal e perícia médica. Possui residência em Medicina Legal e Perícia Médica pela Universidade de São Paulo (USP). Atuou como médica concursada na Polícia Científica do Paraná e foi diretora científica da Associação dos Médicos Legistas do Paraná. Pós-graduada em gestão da qualidade e segurança do paciente. Atua como médica perita particular, promove cursos para médicos sobre medicina legal e perícia médica. CEO do Centro Avançado de Estudos Periciais - CAEPE, Perícia Médica Popular e Medprotec. Autora do livro “Alma da Perícia”.
Gabriel Huberman Tyles: mestre em Direito Processual Penal pela PUC-SP, do escritório Euro Filho e Tyles Advogados.
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