Além da OAB: os desafios emocionais na vida do advogado


Entre prazos e pressões: o impacto da advocacia na saúde emocional


A advocacia é frequentemente associada a prestígio e sucesso, mas por trás da imagem de conquistas e vitórias jurídicas, existe um peso emocional que muitas vezes é ignorado. Jornadas exaustivas, metas agressivas e a necessidade de constante atualização são apenas alguns dos fatores que tornam a vida de advogados e demais operadores do direito extremamente desgastante. Esse acúmulo de pressões faz da saúde mental um tema central para a sobrevivência e o bem-estar da categoria.

O advogado Marco Túlio Elias Alves afirma que a rotina jurídica é marcada por altos níveis de cobrança. “Muitos profissionais acreditam que trabalhar até a exaustão é sinônimo de dedicação, mas na prática isso compromete o raciocínio, a capacidade de organização e até mesmo a relação com os clientes”, explica. Para ele, admitir a necessidade de equilíbrio não significa fragilidade, mas sim maturidade para sustentar uma carreira de longo prazo.

Esse cenário já é mensurável. Dados divulgados pela OAB-SP em 2022 mostrou que mais de 70% dos advogados entrevistados descrevem sintomas de estresse e/ou ansiedade relacionados ao trabalho. Outro dado relevante vem da International Bar Association (IBA): em pesquisa global de 2021, 41% dos profissionais do direito disseram já ter enfrentado problemas de saúde mental, sendo que 32% consideraram abandonar a profissão em razão do desgaste.

Além da sobrecarga de trabalho, há também o peso da responsabilidade. Uma decisão equivocada pode afetar vidas inteiras, o que gera ansiedade e insônia entre advogados e juízes. O problema se agrava quando não há espaço para diálogo sobre fragilidade emocional, criando uma cultura de silêncio. “O advogado é treinado para lidar com a dor do outro, mas raramente se fala em como ele próprio lida com isso”, acrescenta Marco Túlio.

Do ponto de vista clínico, a terapeuta Telma de Melo Alves destaca que muitos profissionais chegam ao consultório em estágios avançados de estresse. “É comum encontrar quadros de ansiedade generalizada, depressão e síndrome de burnout. Esses sinais não devem ser tratados como algo natural do exercício da profissão, mas como alertas de que é hora de buscar ajuda”, afirma. Segundo a OMS, a síndrome de burnout foi oficialmente reconhecida em 2019 como condição ligada ao trabalho, reforçando a urgência do tema.

Outro desafio está na cultura interna de muitos escritórios, onde o trabalho excessivo é romantizado. Nesses ambientes, quem se mostra sempre disponível e sacrifica o tempo pessoal costuma ser visto como modelo de dedicação. A prática, no entanto, cobra um preço alto: a queda na produtividade e o risco de afastamentos prolongados por questões de saúde. Para Telma, a mudança precisa partir das próprias lideranças. “É essencial criar uma cultura que valorize pausas, descanso e saúde emocional tanto quanto resultados financeiros”, defende.

Apesar do cenário preocupante, iniciativas positivas têm surgido em diferentes regiões do país. A OAB Nacional lançou em 2021 o programa Anuário da Saúde Mental da Advocacia, com objetivo de mapear e criar estratégias de enfrentamento do problema. Entre as ações, estão convênios para atendimento psicológico a preços acessíveis e grupos de apoio virtuais. Marco Túlio avalia essas medidas como um avanço, mas ainda insuficiente. “Ainda há muito preconceito em admitir vulnerabilidade no meio jurídico. Precisamos naturalizar o tema para que os profissionais se sintam à vontade em procurar ajuda”, afirma.

Para quem busca medidas práticas, especialistas recomendam pequenas mudanças no dia a dia. Criar uma rotina de pausas, impor limites no uso de dispositivos eletrônicos após o expediente e praticar atividades físicas regulares são estratégias eficazes. Acompanhamento terapêutico preventivo também ajuda a identificar sinais antes que eles se tornem crises graves. “O autocuidado deve ser encarado como ferramenta de trabalho, não como luxo”, reforça Telma.

A discussão sobre saúde mental no direito está longe de ser uma questão passageira. Trata-se de um desafio estrutural, que impacta a qualidade de vida, a produtividade e a própria imagem do sistema jurídico perante a sociedade. Se a profissão quer continuar atraindo talentos e garantindo credibilidade, terá de incorporar o tema como prioridade, e não como discurso ocasional.

Carreira jurídica e equilíbrio emocional: por que cuidar da mente é estratégico

Cada vez mais, a saúde mental deixa de ser apenas um assunto íntimo para se tornar também um diferencial competitivo na advocacia. O advogado que consegue manter serenidade diante de prazos, conflitos e pressão tende a entregar melhores resultados e a se destacar em um mercado extremamente competitivo. Mais do que isso, preservar o equilíbrio emocional significa prolongar a vida útil da carreira.

Para o advogado Marco Túlio Elias Alves, é ilusório pensar que basta dominar a legislação para se destacar. “O direito é feito de argumentação, negociação e contato humano. Se o profissional está esgotado, perde clareza, empatia e até mesmo credibilidade perante clientes e juízes”, afirma. Nesse sentido, a saúde mental se revela não apenas como cuidado pessoal, mas como uma verdadeira ferramenta estratégica de trabalho.

A terapeuta Telma de Melo Alves complementa essa visão, lembrando que o estresse não tratado compromete habilidades essenciais, como concentração e resiliência. “Muitos advogados me relatam que, depois de meses sem descanso, começam a esquecer prazos, sentir dificuldade em organizar processos e até perder a motivação para exercer a profissão. Isso mostra que o impacto da saúde mental vai muito além do campo emocional: ele atinge diretamente a performance”, explica.

Estudos confirmam essa percepção. De acordo com a pesquisa da IBA, mais de 30% dos jovens advogados até 30 anos consideraram deixar a carreira em razão de sofrimento emocional. No Brasil, uma enquete da OAB-RJ em 2021 mostrou que 64% dos advogados já sentiram prejuízos profissionais por questões ligadas à saúde mental, como dificuldade de concentração e atrasos em prazos processuais.

Outro fator relevante é a imagem pública. O cliente, ao escolher um advogado, busca não apenas conhecimento jurídico, mas também confiança e estabilidade emocional. Um profissional que demonstra serenidade em situações adversas transmite segurança e conquista maior credibilidade. Nesse cenário, investir em saúde mental é também uma forma de proteger a reputação profissional.

A geração mais jovem de advogados já tem clareza sobre isso. Diferentemente de profissionais mais antigos, que encaravam longas jornadas como prova de mérito, os novos ingressantes priorizam ambientes de trabalho que ofereçam suporte, flexibilidade e equilíbrio entre vida pessoal e carreira. Esse movimento pressiona escritórios tradicionais a repensar práticas, sob risco de perder talentos.

Marco Túlio vê essa transformação como inevitável. “Se o setor jurídico continuar preso à lógica da exaustão, vai afastar as novas gerações. Precisamos construir escritórios que sejam sustentáveis, em que o profissional tenha espaço para se desenvolver sem adoecer”, defende. Para ele, conciliar alta performance e bem-estar é não apenas possível, mas essencial para o futuro da advocacia.

Nesse contexto, crescem as iniciativas voltadas ao bem-estar corporativo, que vão desde programas de acompanhamento psicológico online até treinamentos em inteligência emocional. Embora ainda restritas a grandes bancas, essas práticas tendem a se expandir, uma vez que já demonstram impacto positivo na produtividade e no engajamento.

Para o advogado individual, a mensagem é clara: cuidar da mente deve ter a mesma prioridade que investir em uma pós-graduação ou construir uma rede de contatos. Pausas estratégicas, atividade física e acompanhamento terapêutico são investimentos de retorno certo. Como resume Telma, “o equilíbrio emocional não é um acessório, mas o alicerce de uma carreira jurídica bem-sucedida”.

No fim, a saúde mental deixa de ser apenas uma preocupação de ordem pessoal para se consolidar como ativo estratégico da advocacia. Reconhecê-la como tal é um passo essencial para transformar não apenas a vida dos profissionais, mas também a qualidade e a credibilidade da justiça que se entrega à sociedade.

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