* Iara Raquel Campedeli Senna Vieira
A decisão parcial de mérito, introduzida de forma expressa no ordenamento jurídico brasileiro com o advento do Código de Processo Civil, prevista no artigo 356, representa uma inovação significativa no modo como o Poder Judiciário pode conduzir o julgamento das demandas. Essa técnica permite que o juiz profira decisões definitivas sobre parcelas do mérito que estejam em condições de imediato julgamento, sem necessidade de aguardar a resolução de todas as controvérsias do processo.
A possibilidade de cisão do julgamento em etapas encontra respaldo em princípios fundamentais do processo civil, como a duração razoável do processo, a eficiência e a efetividade da tutela jurisdicional. No entanto, a adoção dessa técnica processual suscita relevantes discussões práticas, especialmente quanto aos efeitos da decisão parcial de mérito, sua natureza jurídica e os desdobramentos que dela decorrem.
Dentre essas discussões, destaca-se a controvérsia acerca do cabimento de honorários advocatícios quando há julgamento parcial do mérito. A principal indagação reside em saber se, mesmo não havendo sentença que ponha fim ao processo, é possível, e juridicamente adequado, que o juiz fixe honorários sucumbenciais em favor da parte vencedora relativamente à parte do mérito já decidida.
Quanto essa discussão, conforme o artigo 85 do CPC “a sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor” e os parágrafos seguintes, resta claro que os honorários são devidos em todas as decisões que solucionam o mérito de forma definitiva, mesmo que seja de uma forma parcial, ou seja, deferindo apenas parte dos pedidos.
Assim, também deve ser destacado que, a jurisprudência do STJ (REsp 1845542 PR 2019/0322150-4[1]) tem reforçado esse entendimento, reconhecendo que a decisão parcial de mérito, por possuir força de coisa julgada material, pode ensejar a fixação imediata de honorários advocatícios, sempre proporcionais ao pedido ou a parcela do pedido que foi julgado. Nesse sentido, não há necessidade de se aguardar o julgamento final de todos os pedidos formulados na demanda para se reconhecer o direito do advogado à verba honorária relativa à parcela do mérito já decidida.
Há quem defenda que impedir a fixação de honorários na decisão parcial de mérito significaria afrontar os princípios da causalidade e da efetividade processual, para que a parte vencida não se beneficie de um adiamento injustificado da condenação e para que o trabalho do advogado vencedor seja remunerado tempestivamente. Portanto, o reconhecimento desse direito também contribui para a valorização da advocacia, promovendo maior segurança jurídica e previsibilidade no curso do processo.
Por fim, frisa-se que, os honorários fixados na decisão parcial de mérito não impedem posterior majoração ou complementação, caso o restante do mérito também seja julgado procedente para a mesma parte. Isso garante que a fixação dos honorários seja proporcional à extensão da atuação do advogado ao longo de todo o processo, observando o disposto no artigo 85, §2º do CPC, que estabelece os critérios para sua fixação.
A partir da análise desenvolvida ao longo do presente, conclui-se que a figura da decisão parcial de mérito permite uma resposta jurisdicional célere e eficiente a pedidos ou frações de pedidos que estejam disponíveis e suficientemente instruídos à apreciação antecipada, sem comprometer a continuidade do processo quanto às demais controvérsias pendentes. Dessa forma, prestigiam-se os princípios constitucionais da duração razoável do processo, da efetividade da tutela jurisdicional e da segurança jurídica.
No tocante ao cabimento de honorários advocatícios nas hipóteses de julgamento parcial do mérito, restou demonstrado que, embora não se confunda com a sentença, a decisão parcial de mérito pode produzir efeitos equivalentes, especialmente no que diz respeito à formação da coisa julgada material e à possibilidade de execução. Apesar de sua natureza formalmente interlocutória, o legislador conferiu a essas decisões tratamento jurídico assemelhado ao da sentença para determinados fins, como é o caso da fixação imediata de honorários advocatícios, conforme dispõe o artigo 85 do CPC. Esse entendimento vem sendo reiteradamente acolhido pela jurisprudência pátria, sobretudo pelo Superior Tribunal de Justiça, como evidenciado no Recurso Especial nº 1.845.542/PR, em que se reconheceu a obrigatoriedade de fixação de honorários proporcionais à parcela do mérito já decidida.
O improvimento de fixação de honorários nesse contexto configuraria não somente uma afronta à disposição do texto legal, mas refletiria também uma violação aos princípios da causalidade, da efetividade processual e da valorização da advocacia. Ademais, contribuiria para a proliferação de demandas autônomas fundadas no art. 85 § 18º, do CPC, resultando em maior morosidade e sobrecarga do Judiciário, em flagrante contrariedade aos ideais de economia e eficiência processual consagrados pelo novo Código de Processo Civil, em prejuízo da classe advocatícia.
Ao se admitir a fixação tempestiva de honorários em decisões parciais de mérito, reforça-se a previsibilidade no curso do processo, em linha com o princípio da não-surpresa, garante-se a do litígio e acelera a prolação e reconhecimento de direitos mais cedo no processo, sem ter que esperar pela sentença. Essa prática também previne que a parte vencida se beneficie indevidamente de eventuais lacunas interpretativas quanto ao momento da condenação em honorários.
Sendo assim, a decisão parcial de mérito, quando corretamente empregada, especialmente quando se trata de fixação de honorários advocatícios, revela-se plenamente compatível com os objetivos fundamentais do devido processo legal. Tal compreensão promove a coerência sistêmica da aplicabilidade do CPC e contribui de forma significativa para a consolidação de um processo mais célere em consonância com os princípios constitucionais.
* Iara Raquel Campedeli Senna Vieira é bacharela em Direito pelo Centro Universitário Armando Alvares Penteado (FAAP), pós-graduanda em Direito Processual Civil na PUC-Campinas e a advogada na Granito Boneli Advogados.
Sobre o Granito Boneli Advogados
O Granito Boneli Advogados é um escritório formado por profissionais com ampla expertise em Direito Público e Privado, com foco em Direito Empresarial. Oferece assessoria jurídica personalizada e completa, projetada de acordo com as necessidades específicas de cada cliente, abrangendo diversos campos de atuação, como Crise Financeira e Recuperação Empresarial, Direito Tributário, Contratos Empresariais, Planejamento Patrimonial e Sucessório, Direito Imobiliário, Relações de Consumo e Direito Trabalhista. Reconhecido nacionalmente por diversas organizações de classificação técnica da advocacia e certificado pela ISO 9001, o escritório possui sede em Campinas (SP) e filiais em Cuiabá (MT), São Luís (MA) e Florianópolis (SC).
Muito técnico a publicação. Parabéns a redatora.
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