Como reconstruir pensamentos e comportamento a partir das técnicas japonesas de restauro em cerâmica 'Kintsugi'


Gabriel Ferraz Vidiri*

 


O que Kintsugi, uma arte japonesa de reparar objetos quebrados com ouro, pode ajudar você a se inspirar em sua vida quotidiana? É simples de entender. Assim como na vida, não somos isentos de rachaduras ou rupturas e o Kintsugi demonstra que as cicatrizes não só contam histórias, mas também podem unir beleza e força.

Do mesmo modo que na vida, não somos isentos de rachaduras. O Kintsugi (‘emenda de ouro’), também chamado de Kintsukuroi (‘reparo com ouro’), é uma técnica japonesa antiquíssima de consertar cerâmicas quebradas utilizando laca espanada ou uma mistura de pó de ouro, prata ou platina. Depois da cerâmica ser restaurada surgem veios dourados entremeados no design do objeto original dando uma nova vida e estética ao objeto original. No Kintsugi há uma técnica de decoração de objetos, a Maki-e, ‘imagem polvilhada’ em japonês, pela qual desenhos e padrões são criados polvilhando pó metálico (como ouro ou prata) sobre uma superfície de laca ainda úmida.

Por isso, a analogia seria tal como o Kintsugi dá nova vida a objetos quebrados como um pote japonês tradicional Hanki, geralmente feito de cerâmica, usado para armazenar arroz ou uma tigela Tchawan, usada para servir chá durante a cerimônia do chá, e também geralmente feita de cerâmica, nossas cicatrizes podem nos tornar mais fortes, mais sábios e até mais bonitos se soubermos tirar proveito da mudança.

O Kintsugi ensina materialmente sobretudo que as cicatrizes não só contam histórias, registram experiências, marcam situações, mas também podem agregar beleza e força. É fundamental num mundo que pede resultados, lembrar que o autoconhecimento é a base de toda realização. Eu aproveito para destacar aqui um paralelo entre o Kintsugi e a força que surge das experiências difíceis, porque é preciso ter coragem de ser imperfeito. A arte japonesa tem me ajudado a entender e a honrar minhas cicatrizes. É preciso, portanto, aceitar e abraçar nossas imperfeições como parte fundamental do nosso crescimento.

Reconhecida como uma das maiores pesquisadoras em temas de vulnerabilidade, coragem, resiliência, vergonha e empatia, a autora e pesquisadora da Universidade de Houston, Brené Brown, tem trabalhado e em seus estudos sobre emoções e conexões humanas. Ela afirma que a vulnerabilidade, muitas vezes percebida como fraqueza, pode ser na realidade, o segredo para a bravura, a inovação, a criatividade e a verdadeira conexão. Se permitir ser vulnerável, no entendimento dela, é essencial para viver plenamente e construir relações significativas.

René interpreta que seu conceito de ‘liderança corajosa’ é um pilar no mundo corporativo e educacional. A seu ver a coragem deve ser uma habilidade aprendida, o que implica encarar o medo, ter conversas difíceis e estar presente mesmo em situações de risco.

A cientista comportamental trabalha muito o tema ‘vergonha’ em suas pesquisas. Ela analisa principalmente a vergonha como uma dor intensa em acreditar que somos falíveis e, por consequência, indignos de amor e pertencimento. Seus ensinamentos são direcionados para como reconhecer, entender e trabalhar a vergonha, para que ela não paralise ou desumanize as pessoas.

"Pertencer a si mesmo requer coragem". Esse é um dos lemas preferidos dela, que costuma proferir em suas incontáveis palestras pelo mundo. Na visão dela, que é autora de seis best-sellers, também podemos cultivar um verdadeiro senso de pertencimento, começando por sermos fiéis a nós mesmos, em vez de nos moldarmos para agradar os outros.

Voltando ao universo do Kintsugi e das filosofias japonesas do bem viver, neste arcabouço existencial, a arte do restauro Kintsugi desperta a reflexão para o Ikigai, cujo propósito combina, paixão, missão, vocação e profissão. Trata-se de um conceito japonês que, de forma simples, significa ‘razão de ser’ ou ‘razão para acordar de manhã’. Seria a ideia de encontrar aquilo que dá sentido e propósito à sua vida.

Para estudiosos japoneses o ikigai não se restringe a trabalho ou aspirações profissionais, podendo ser aplicado a algo simples como cuidar de um jardim, preservar amizades ou acompanhar o desenvolvimento dos netos. A palavra vem da junção de ‘iki’ (vida) e ‘gai’ (valor, merecimento).

Na cultura japonesa, ele tem um caráter mais íntimo, relacionado ao bem-estar e à satisfação cotidiana, e não está associado diretamente a parte financeira ou mesmo reconhecimento. Para identificar seu ikigai as pessoas precisam se perguntar cotidianamente: O que faz você esquecer do tempo? Quais atividades energizam você? Que tipo de problema você gosta de resolver? Que valor você quer deixar para o mundo?

O conceito desse modo de pensar a partir da intersecção da paixão, missão, profissão e vocação é entender a satisfação, mas também o sentimento de inutilidade; a alegria e plenitude, mas sem prosperidade; o entusiasmo e complacência, mas também o senso de incerteza, o confortável, e o senso de vazio.

Nos inspirando num método semelhante à técnica maki-e podemos conduzir os seguintes procedimentos:

1. Identifique suas paixões, habilidades, o que o mundo precisa e o que você pode ser pago para fazer. Conecte os pontos e lembre-se que mudanças estruturais são gradativas, valorize os pequenos começos e celebre cada estágio avançado.

2. Reconheça suas falhas, não como fracassos, mas como partes essenciais do seu ser. Faça uma auto-observação não só como um ser completo, mas como uma pessoa em constante evolução e desenvolvendo seu progresso.

3. Ao aceitar a complexidade do autoconhecimento, não só descobrimos nosso propósito, mas também nos tornamos resistentes às inevitáveis rupturas da vida, afinal no ‘jogo jogado da vida’ encontramos desafios, que podem nos transformar numa versão melhor.

Para facilitar a gestão da mudança no processo de acelerações de carreira eu convido a todos a florescerem e reconhecer suas potencialidades. Entender que tipo de pessoa você poderia ser se acelerasse e progredisse seus talentos e eliminasse suas deficiências. Identificar também aqueles pontos limitantes que te paralisam. A melhoria contínua se faz caminhando.

Para finalizar deixaria três grandes reflexões: se você precisa ter para ser, você nunca teve; se você precisa fazer para ser, você nunca fez. Quando você começa a compreender o que você ama, fortalecer seus interesses, o seu ser floresce. Esse é um grande progresso.

Gabriel Ferraz Vidiri é profissional em gestão de pessoas, podcaster do ‘Papo de Progresso’ e especialista em liderança transformacional e em transição de carreira. É também mestrando (MPGC) pela FGV.

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