Regime de partilha entra em sua fase de maior retorno com a maturação dos campos do pré-sal




Por Ricardo Viana, engenheiro de petróleo e analista de ações do setor de energia (foto/arquivopessoal)

Polêmico entre entes do setor, o regime de partilha coloca em questão o debate entre a monetização das reservas de petróleo do país em um único pagamento (o bônus de outorga) contra o recebimento de fluxos de caixa ao longo de toda a vida útil do campo. Este regime faz do governo um sócio do projeto - literalmente. Através da PPSA, o governo recebe barris físicos que são disponibilizados aos compradores através de leilões.

Do ponto de vista do governo, o debate central está na janela temporal que é ideal para monetizar este recurso natural: deveríamos monetizar em uma parcela no presente - no bônus de outorga - ou dividir o risco do projeto com o operador (exploratório e mercadológico)? Ao optar pela partilha, a sociedade abdica da arrecadação imediata do bônus de outorga, em troca de fluxos contínuos ao longo da vida útil do projeto - capturando mais valor, ainda que exigindo mais paciência e risco.

Esta paciência esta próxima de começar a se pagar. Segundo dados reportados pela PPSA, a produção recebida pela estatal ultrapassou 100 mil barris desde dezembro do ano passado, ancorado pelo campo de Mero (originado pelo projeto pioneiro, Libra) que responde por mais de 80% desta produção. Este número se materializa em uma arrecadação que ultrapassa a figura de 10 bilhões de reais por ano. O regime passa a se tornar um importante aliado do bolso da sociedade.

O acordar de um gigante

 Embora já significativos, os números deverão mostrar um importante crescimento em curto prazo. O motivo tem um nome conhecido pelo setor: a Cessão Onerosa - ou melhor, os Excedentes da Cessão Onerosa, que foram leiloados em regime de partilha em 2019. Este leilão, inclusive, merece um capítulo a parte na história do setor, por conta do seu caráter único: um leilão de um ativo já desenvolvido e produzindo petróleo desde o início, que envolveria a unitização em barris recuperáveis de dois regimes de concessão distintos: a partilha e a cessão onerosa - este último criado em 2010, em um emaranhado regulatório que visava capitalizar a Petrobras sem diluir o controle estatal.

O principal campo da região da cessão onerosa, Búzios, é um verdadeiro gigante global. Com 6 unidades FPSO produzindo, o campo já ultrapassa a marca de 700 mil barris por dia de produção de petróleo - e os planos de expansão são ambiciosos: a Petrobras planeja ter 11 ou 12 FPSOs operando na maturidade do campo, com volumes totais ultrapassando a casa de 1 milhão de barris por dia.

Em toda sua grandeza, Búzios chama atenção em sua pequena contribuição com os volumes da PPSA: segundo dados de março disponibilizados pela estatal, apenas 14 a cada 1000 barris do regime de partilha (que responde por 73,9% da produção) são entregues ao governo. No caso de Mero, a proporção é muito mais significativa: 197 a cada 1000 barris.

O que explica tamanha discrepância? Primeiro, de acordo com parâmetros acertado em ambos os leilões, os operadores do campo de Mero aceitaram dividir uma proporção maior nos termos do leilão - 41,65% do óleo lucro é entregue à PPSA. Este número é 23,24% no caso de Búzios. Porém, percebe-se que a maior diferença está na apuração do próprio óleo lucro entre os dois campos. O óleo lucro é o resultado da subtração da produção líquida de royalties pelos custos de operação e recuperação de investimentos feitos no campo.

Por ser um campo que foi leiloado já produzindo petróleo, Búzios custou muito mais caro para ser adquirido pelo ganhador do leilão. Esse custo veio dividido em duas grandes partes: o bônus de outorga, que custou ao consórcio 68,2 bilhões de reais e o acordo de coparticipação, que compensou financeiramente a Petrobras em aproximadamente 29,4 bilhões de dólares - que se converte em um montante que ultrapassa uma centena de bilhão de reais.

Embora o bônus de assinatura não seja compensável como custo óleo, o valor devido na coparticipação pode ser considerado um investimento recuperável do consórcio. Seu grande montante permitiu ao concessionário operar desde o início no teto contratual do custo óleo, minorando o óleo lucro a ser dividido com a PPSA. A questão é que esse valor recuperável é finito. Quando completamente compensado, a PPSA deverá passar a receber uma parcela bem mais significativa da produção desse campo. E isso não está longe de acontecer, pois essa amortização foi bastante acelerada pelo ambiente benigno de preços de petróleo dos últimos anos.

Segundo estimativas publicadas pela PPSA, em dezembro do ano passado, a produção recebida pela União deve saltar dos atuais 100 mil barris por dia para mais de 300 mil. Apenas Búzios deve representar por volta de metade desse incremento. Com os custos amortizados e a curva de produção ascendente, o regime de partilha inicia sua fase mais generosa para o Estado brasileiro, especialmente nos gigantes como Búzios.

A colheita, enfim, começou.

Comentários