Pesquisadores em campo durante a coleta de dados para a pesquisa
Um estudo realizado pelo Instituto de Pesca (IP-Apta), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, em parceria com a empresa Tijoá Participações e Investimentos S.A., analisou a diversidade de peixes no reservatório da Usina Hidrelétrica de Três Irmãos, localizado no baixo rio Tietê – SP, entre os anos de 2015 e 2019. O objetivo foi estudar a composição e abundância da ictiofauna (conjunto de espécies de peixes) ao longo do tempo, contribuindo para a adoção de medidas de manejo sustentável.
Para isso, a pesquisa utilizou dados secundários (dados disponíveis na bibliografia) e primários, obtidos por meio da pesca experimental. Esta última se diferencia da pesca tradicional operada por pescadores da região por se tratar de uma técnica científica que utiliza o mesmo padrão de artes de pesca (conjunto de equipamentos e técnicas usados para capturar peixes) em diferentes regiões do reservatório, como águas paradas (lênticas), intermediárias e com maior correnteza (lóticas), permitindo um levantamento mais completo e comparações entre as espécies presentes.
Resultados da pesquisa
Os resultados apontaram que o reservatório de Três Irmãos tem uma grande variedade de espécies sedentárias (peixes com pouca movimentação, que realizam pequenas migrações) e não nativas. Entre as espécies migradoras, destacaram-se o curimbatá (Prochilodus lineatus), o pacu-guaçu ou pacu-caranha (Piaractus mesopotamicus) e o piau-de-três-pintas (Leporinus friderici), provavelmente provenientes de programas de repovoamento. No entanto, espécies de grande porte, como o dourado (Salminus brasiliensis) e o pintado (Pseudoplatystoma corruscans), que também dependem da migração para sua reprodução, não foram capturadas em nenhuma das campanhas realizadas ao longo do estudo.
Tal fato se deve à interrupção da continuidade fluvial consequente à construção da barragem, que impede a própria migração; à falta de tributários e/ou trechos de rio livres de represas; e às próprias características do ambiente represado, que não apresenta áreas adequadas para o desenvolvimento, a alimentação e proteção das larvas. Dessa forma, as espécies migradoras de longa distância não conseguem completar seu processo reprodutivo.
Desafios para o equilíbrio ecológico
Outra constatação preocupante foi a predominância de peixes não nativos à bacia do Alto Paraná. Neste contexto, entre as espécies de médio porte (entre 20 cm e 40 cm), destacaram-se o porquinho (Geophagus sveni), o caroço de manga ou zoiudo (Satanoperca setepele) e a piranha (Serrasalmus marginatus).
Entre as carnívoras introduzidas de grande porte (acima de 40 cm), a corvina (Plagioscion squamosissimus) foi a mais representativa. Essa espécie, juntamente aos tucunarés (Cichla kelberi e C. piquiti), vem competindo por alimento e espaço com a traíra (Hoplias malabaricus), espécie nativa e de mesmo nicho alimentar das citadas espécies, todas originárias da bacia Amazônica. Com relação às espécies de pequeno porte (até 20 cm), destacaram-se o nativo canivete (Apareiodon affinis) e o introduzido pacu-CD (Metynnis lippincottianus), esse último de baixo interesse à pesca e ao público consumidor.
Esses dados são fundamentais para orientar a gestão pesqueira e auxiliar em estratégias que possam garantir a manutenção das populações de peixes nativos, as quais desempenham um papel crucial no equilíbrio ecológico dos rios e reservatórios.
Impactos do represamento
Em relação à pesca, a pesquisadora científica do IP, Paula Maria Gênova de Castro Campanha, responsável pela pesquisa, afirma que “no estado de São Paulo, o trecho do médio e baixo rio Tietê foi transformado em uma cascata de seis reservatórios para produção de energia que transformaram completamente as suas características hidrológicas, biológicas e ecológicas. Em consequência dessas mudanças, a pesca na região sofreu grandes transformações ao longo do tempo, na tentativa de se adaptar às novas condições. Atualmente, esta atividade é praticada em áreas represadas e trechos livres de grandes rios e, ao contrário do passado, é quase exclusivamente direcionada às espécies sedentárias e/ou não nativas”.
A pesquisadora ainda explica que a transformação do ambiente fluvial em cascata de represas dificulta planos de manejo voltados à recomposição da fauna originária, que se destacava pela presença dos grandes migradores (pintado, dourado, jaú), recursos abundantes e altamente visados pelos pescadores antes do represamento. Para essas espécies, medidas de manejo por meio de repovoamentos (estocagem ou peixamento) não são praticáveis devido à falta das condições básicas para a realização do ciclo completo de vida de cada uma delas.
A alteração do ciclo hidrológico natural pela produção de hidroeletricidade e a transformação do rio em sequências de represas separadas por barreiras intransponíveis tornam os reservatórios “armadilhas ecológicas” para essas espécies, sobretudo na ausência de tributários com condições adequadas para a desova.
“Ao contrário, antes de qualquer ação nesse sentido, é preciso avaliar cuidadosamente a qualidade do ambiente aquático que se deseja manejar, verificar as potencialidades dos tributários para desova e dispor de um monitoramento constante da atividade pesqueira e da própria ictiofauna, periodicamente”, pondera a pesquisadora do IP. Dessa forma, será possível indicar as ações de recuperação ambiental mais urgentes para auxiliar as espécies que conseguiram se adaptar ao novo ambiente.
Ainda de acordo com a especialista, o tema do repovoamento é atualmente o centro de um vasto debate na comunidade científica, entre gestores e administradores, e, de acordo com especialistas da área, as decisões de estocagem devem ser baseadas em rigorosa avaliação da necessidade, da espécie, da procedência dos alevinos, da metodologia, dos riscos e das formas de avaliação. “É preferível a ausência de manejo a um manejo equivocado e não passível de monitoramento”, finaliza Paula.
Por Andressa Claudino
Foto: Paula Gênova
Instituto de Pesca
O Instituto de Pesca é uma instituição de pesquisa científica e tecnológica, vinculada à Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (Apta), da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, que tem a missão de promover soluções científicas, tecnológicas e inovadora para o desenvolvimento sustentável da cadeia de valor da Pesca e da Aquicultura.
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