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Artur Marques*
A recente proposta de criação da Fundação IBGE+ levanta sérias preocupações sobre a autonomia e a credibilidade de uma das instituições de pesquisas e estudos demográficos e geoeconômicos mais respeitadas do mundo. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), com seu trabalho fundamental de produzir dados estatísticos de excelência, que também alimentam estudos dos organismos multilaterais internacionais, tem sido uma referência nacional e global.
Por meio de seus trabalhos, como o Censo Demográfico, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), o Censo Agropecuário, a mensuração do PIB brasileiro, dos estados e municípios e o Sistema de Contas Nacionais, o IBGE fornece informações relevantes para balizar a adoção de programas de governo essenciais, como nas áreas de saúde, educação e desenvolvimento econômico. O grande cliente do instituto é, na verdade, o povo brasileiro, que depende da imparcialidade e da qualidade de seus levantamentos.
A justificativa de instituir a fundação para injetar mais recursos financeiros e modernizar o IBGE não procede. O Estado, a despeito dos problemas fiscais, não pode abdicar da isenção, experiência e seriedade que constituem a identidade do órgão. A criação de uma fundação de direito privado suscita sérios riscos para a imparcialidade do IBGE e abre possibilidades de ingerência política ou econômica no seu trabalho.
Ao depender de financiamentos privados ou de parcerias com empresas, os estudos do instituto poderiam, de modo inaceitável, adaptar-se à agenda desses financiadores, priorizando questões particulares em detrimento das necessidades da sociedade. Haveria claro conflito de interesses, considerando que o órgão produz dados e informações para a formulação de políticas públicas.
Além disso, não podemos ignorar que a força do IBGE reside em seu quadro técnico altamente capacitado, composto por profissionais especializados contratados por concurso, ou seja, por absoluto mérito. Esses funcionários públicos, que têm estabilidade, não se submetem, portanto, à influência do governo de plantão e a interesses particulares, atuam com isenção e compromisso com a verdade.
A grande maioria desses servidores agrega expertise construída ao longo de anos de serviço, garantindo a continuidade e a qualidade das pesquisas realizadas. A ameaça da criação da Fundação IBGE+ pode enfraquecer a estabilidade e a independência desses profissionais. A possibilidade de contratações temporárias ou terceirizadas, sem o rigor de concursos públicos, fragilizaria a carreira, desvalorizaria o trabalho técnico do instituto e facilitaria influências político-partidárias.
Outro ponto que precisa ser destacado é a falta de debate amplo e transparente sobre a proposta. A criação de uma fundação de caráter privado, para gerir uma instituição pública com a relevância do IBGE, deveria ser discutida de maneira democrática, com a participação de todos os envolvidos: servidores, acadêmicos e a sociedade civil. Mudança tão significativa precisa ser analisada com cautela e não pode ser imposta sem que se tenha um estudo detalhado sobre seus impactos.
Em vez de seguir por esse caminho arriscado, o Governo Federal deveria adotar medidas para fortalecer ainda mais o IBGE, proporcionando recursos adequados para suas atividades e valorizando seus servidores. A modernização, sem dúvida, é sempre necessária, mas não pode ocorrer à custa da autonomia e da credibilidade do instituto. O órgão é, por sua própria natureza, uma instituição pública cuja missão é servir ao Estado e à sociedade com dados fidedignos e imparciais. É essa a sua verdadeira força e o que o torna imprescindível para o Brasil.
Esperamos que o Ministério de Planejamento e Orçamento e o próprio IBGE desistam definitivamente da criação da fundação. Tal medida comprometeria a independência e a qualidade do trabalho do instituto, que não pode, sob hipótese alguma, ser submetido a pressões externas ou à mercantilização de suas pesquisas. O que está em jogo é a confiança da população brasileira em dados cruciais e estratégicos para a evolução do País. O IBGE merece muito mais do que uma fundação questionável. Precisa, sim, do respeito e do investimento necessário para seguir cumprindo sua missão com a credibilidade e a competência que sempre o caracterizaram.
*Artur Marques é o presidente da Associação dos Funcionários Públicos do Estado de São Paulo (AFPESP)
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