O quão estratégica é a sua gestão do jurídico

 Prof. Dr. Marcelo Alcides C. Gomes*

Thais A. Silva**

Tamara R. Oliveira***

 

Acompanhando os resultados de disputas judiciais e arbitrais dos últimos 40 anos, acreditamos que é possível apresentar uma avaliação do que sempre deu certo, o que dá errado e, com certa facilidade e razoável humildade, prever o que vem pela frente. Nesse período, o diretor responsável pelo departamento jurídico vem aprimorando significativamente seu papel estratégico dentro das organizações e incorporando atividades e responsabilidades que poucos imaginavam que seriam necessárias na década de 1980 do século passado.

 

Compliance, LGPD, ESG, Risk Assessment em contratos, negociação de acordos, monitoria de acordos com órgãos de controle, fusões e aquisições, disputas, comitês internos, conselhos, aconselhamentos para diferentes áreas, entre tantas outras atividades, são temas cada vez mais relevantes. Diante desse cenário e esses desafios, como poderíamos classificar a capacidade estratégica do seu departamento jurídico? Abaixo apresentamos uma tentativa que não se trata de um ranking, dada a diferença entre as empresas, mas é uma base da nossa vivência e o que temos observado em nossos clientes e nas disputas que participamos.

 

No nível estratégico I, o jurídico não tem posição de gestão e responde ao CEO/Proprietário e aos diretores da empresa. Não tem equipe suficiente para suportá-lo. Responde por todas as questões de Compliance, LGPD, ESG, regulatórias sem todo o domínio e experiência para lidar com os temas, se equilibrando com um orçamento limitado para contratar assessoria externa apenas para responder em caso de ocorrência de incidentes nessas áreas. Sendo assim, o jurídico adiciona o valor necessário ao patrimônio da empresa e a continuidade da organização pode ficar comprometida se o incidente ocorrido inviabilizar o relacionamento comercial e financeiro e/ou comprometer sua imagem perante o mercado.

 

No campo das disputas, usualmente judiciais, a empresa apenas responde as demandas que aparecem, sejam elas como requerente ou requerido. A seleção do escritório de advocacia para atuar no caso ocorre por opção pessoal do CEO/Proprietário, utiliza a equipe interna das áreas envolvidas na disputa para coletar dados e informações que vão instruir provas e trabalha com o assistente técnico indicado pelo escritório contratado. Não conhece o responsável pela área de disputa de algumas das grandes empresas de consultoria/auditoria, nem sabia que ela existia, e procura assistência na tentativa de reverter uma decisão desfavorável por recomendação do CEO/Proprietário ou outro executivo da empresa.

 

No nível estratégico II, o jurídico integra a gestão da empresa e responde ao conselho/acionistas da empresa. A equipe tem a estrutura adequada para o porte da empresa segregada nas funções prioritárias dos riscos avaliados pela Governança. Responde por todas as questões de Compliance, LGPD, ESG, regulatórias com bom domínio e/ou experiência para lidar com os temas, gerenciando com maestria o orçamento concebido de acordo com as necessidades identificadas em sua fase de preparação e com a flexibilização necessária para enfrentar ocorrências extraordinárias. Nesse quadro, o jurídico agrega valor ao patrimônio da empresa e a continuidade estaria preparada para enfrentar incidentes que forem identificados em avaliação de riscos, mas ainda pode ter problemas com aqueles não previstos ou novos riscos por mudanças na estrutura operacional, de mercado ou no ordenamento jurídico.

 

No campo das disputas, judiciais equilibradas com aquelas arbitrais, a empresa continua a responder, na maioria dos casos, as demandas que aparecem, sejam elas como requerente ou requerido. Alguns poucos casos são antecipados e o gestor do jurídico interage com as áreas operacionais para prevenir ou se preparar para disputas. A seleção do escritório de advocacia para atuar no caso se dá por opção pessoal do gestor do jurídico, obedecendo a procedimentos internos de contratação, mas com uma seleção direcionada para a especialização esperada para a disputa que se vislumbra.

 

Além disso, utiliza a equipe interna das áreas envolvidas na disputa para coletar dados e informações que vão instruir provas, em alguns casos contratando especialistas externos para coletar, preservar e analisar dados, ou emitir relatórios técnicos para subsidiar alegações em fase pré-instrutória e seleciona o expert, ainda indicados pelo escritório de advocacia contratado para gerenciar o caso, por concorrência no melhor preço, ou seleciona profissionais que já trabalharam com sucesso em casos anteriores e onde a confiança foi estabelecida. Conhece o responsável pela área de disputa de algumas das grandes empresas de consultoria/auditoria e procura assistência em fases críticas da disputa ou na tentativa de reverter uma decisão desfavorável.

 

No nível estratégico III, o jurídico integra a gestão da empresa e responde ao conselho/acionistas da empresa. A equipe tem a estrutura adequada para o porte da empresa e é segregada nas funções prioritárias dos riscos avaliados pela Governança. Disputas estratégicas são gerenciadas por equipe própria. Responde por todas as questões de Compliance, LGPD, ESG, regulatórias com excelente domínio e/ou experiência para lidar com os temas, gerenciando com maestria o orçamento concebido de acordo com as necessidades identificadas em sua fase de preparação, com a flexibilização necessária para enfrentar ocorrências extraordinárias e facilidade para obter recursos do orçamento das áreas comprometidas transferindo o risco financeiro para quem gerou o incidente.

 

Nesse quadro, o jurídico agrega muito valor ao patrimônio da empresa e a continuidade da organização está preparada para enfrentar incidentes que forem identificados em avaliação de riscos e antecipa ações para aqueles não previstos ou novos riscos por mudanças na estrutura operacional, de mercado ou no ordenamento jurídico.

 

No campo das disputas o jurídico identifica e avalia quais são os contratos que devem ter o foro judicial ou arbitral, antecipa problemas na execução desses contratos, é ágil na seleção e contratação de escritório externo, consultores e peritos, montando grupos de trabalho antes mesmo de iniciar a negociação, mediação ou disputa, ou é ágil para contestar ações apresentadas. Atua com inteligência de informação sobre a possível disputa antecipando movimentação da parte contrária, conhece a capacidade de pagamento da parte contrária em caso de vitória antes de iniciar a disputa, conhece o histórico de atuação dos advogados, consultores e experts da parte contrária. Conhece fontes de financiamento para a disputa e identifica oportunidades de antecipar o resultado da disputa para gerar caixa para a empresa, repassando o resultado da ação para fundos de investimentos.

 

A seleção do escritório de advocacia para atuar no caso se dá por opção pessoal do gestor do jurídico, obedecendo a procedimentos internos de contratação, mas com uma seleção direcionada para a especialização esperada para a disputa que se vislumbra. Utiliza a equipe interna das áreas envolvidas na disputa para coletar dados e informações que vão instruir provas, em alguns casos contratando especialistas externos para coletar, preservar e analisar dados, ou emitir relatórios técnicos para subsidiar alegações antes mesmo de iniciar a disputa, e seleciona o expert dentre os profissionais que já trabalharam com sucesso em casos anteriores e onde a confiança foi estabelecida. Conhece o responsável pela área de disputa nas grandes empresas de consultoria/auditoria e procura assistência em todas as fases da disputa e antecipa eventuais casos de conflitos de independência desses profissionais, inclusive trabalhando com essas informações a seu favor.

 

Por óbvio, todos os níveis acima ainda poderiam ser divididos em mais dois níveis, mas limitado ao espaço disponível, a ideia foi mostrar as possíveis diferenças entre o que encontramos no mercado e os caminhos que podem ser trilhados. Esse tema não se esgota por aqui e muito temos a evoluir. Ainda temos poucas informações sobre recursos financeiros disponíveis para atuação das áreas jurídicas, mensuração do volume de mediações, disputas arbitrais ou judiciais por empresas, sua evolução ao longo do tempo e outras que causam impacto econômico-financeiro no patrimônio delas. Quem sabe chegaremos lá.

 

*Prof. Dr. Marcelo Alcides C. Gomes é sócio de Advisory & Litigation da KPMG no Brasil.

**Thais A. Silva é sócia-diretora de Advisory & Litigation da KPMG no Brasil.

***Tamara R. Oliveira é sócia-diretora de Advisory & Litigation da KPMG no Brasil.

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