Estudo da USP desenvolve metodologia para quantificar perdas econômicas associadas a desastres naturais

 


Artigo do professor Eduardo Haddad, da FEAUSP, publicado na Nature, em parceria com outros pesquisadores, apresenta metodologia para quantificar perdas econômicas associadas a desastres naturais

 

Os desastres naturais provocam perdas imensuráveis ao ser humano. Quem não se lembra do terremoto e tsunami no Oceano Indico em 2004, do furacão Katrina em 2005, do terremoto no Haiti em 2010, do terremoto e tsunami no Japão em 2011 e, das chuvas este ano em Petrópolis, no Rio de Janeiro? Todos esses eventos catastróficos sensibilizaram o mundo com as incontáveis perdas de vidas humanas.
 

Mas as consequências dessas catástrofes vão muito além das mortes e danos físicos, e nem sempre são observadas e mensuradas como deveriam. São as chamadas perdas indiretas, que também impactam a sociedade de forma significativa, como por exemplo as perdas econômicas de produção.
 

Um estudo publicado recentemente na Nature, com acesso aberto pela internet (Link), avaliou o risco causado pelos terremotos na economia do Chile. Tendo como um de seus autores, o professor de Economia da FEAUSP, Eduardo Haddad, o trabalho chama a atenção por seu ineditismo. Além do economista, assinam o artigo José A. León (UNAM), Mario Ordaz (UNAM) e Inácio F. Araújo (FEAUSP).
 

Sob o título “Risk caused by the propagation of earthquake losses through the economy”, o artigo afirma que “a economia de um país está exposta a perturbações causadas por desastres naturais e provocados pelo homem”, que afetam a produção, o emprego, o PIB, o Produto Bruto Regional, o volume de exportações, a inflação, a receita tarifária, entre outros.
 

Os pesquisadores apresentam um conjunto de indicadores de risco probabilísticos, a Perda Média Anual (AAL) e a Curva de Excesso de Perdas (LEC) para estimar os impactos dos terremotos no Chile. “Nossa abordagem considera os danos induzidos e a frequência de ocorrência de um vasto conjunto de eventos que descrevem, coletivamente, todo o risco sísmico de um país, dando-nos uma compreensão melhor e mais completa de todas as consequências dos terremotos”.
 

Todos os grandes desastres naturais evidenciaram a importância de questões como governança de risco de desastres, estratégias de reconstrução, vulnerabilidade da economia dos países em desenvolvimento, e como os desastres podem se propagar. Mas, segundo os autores, a contabilização de perdas indiretas em risco “também é crucial e se torna mais proeminente à medida que a complexidade da cadeia de suprimentos aumenta, na era da globalização”.
 

Por outro lado, eles reconhecem que não é fácil contabilizar as consequências econômicas dos terremotos “apenas com informações históricas, porque esses eventos catastróficos são pouco frequentes, de modo que as informações relevantes são escassas e nem sempre é fácil distinguir entre perdas diretas e indiretas”.
 

 

Modelagem para perdas indiretas

 

A modelagem de danos físicos causados por sismos é hoje uma técnica bem desenvolvida, a ponto de poder se estimar, de forma probabilística, o risco sísmico de bens individuais, como infraestruturas, edifícios, máquinas, equipamentos etc. No entanto, a modelagem de perdas indiretas, em comparação, fica muito atrasada, principalmente devido às dificuldades em traduzir empiricamente danos materiais em perdas indiretas, e pela falta de modelos adequados que relacionem esses dois tipos de perdas.
 

“Os esforços têm se concentrado na análise de eventos individuais, sem a devida consideração de sua frequência de ocorrência. Decisões e políticas seriam muito diferentes caso se soubesse que os impactos econômicos são esperados, em média, uma vez a cada 100 ou a cada 1000 anos”, analisa Eduardo Haddad.
 

De acordo com o professor da FEAUSP, a abordagem do projeto de pesquisa publicado na Nature mostrou como o modelo CGE (Equilíbrio Geral Computável) e o modelo probabilístico para avaliação de risco sísmico podem trabalhar juntos, permitindo uma visão probabilística robusta e sistemática das consequências dos terremotos em toda a economia.
 

Haddad afirma que as estimativas baseadas nessa abordagem levam em conta que: eventos naturais, no caso os terremotos, ocorrem como um “processo estocástico no tempo”; que a frequência de ocorrência é importante para a mensuração dos riscos; e que existe relação entre o nível de dano físico aos componentes econômicos e a redução do estoque de capital.
 

“Utilizamos um tipo particular de modelo CGE conhecido como modelos CGE espaciais, que pode considerar a localização geográfica de agentes econômicos e dotações de recursos nas regiões. Além de lidar com sucesso com a estimativa de perdas monetárias indiretas, nossa abordagem permite uma melhor visão das prováveis consequências da ocorrência do terremoto em toda a economia”.
 

 

Resultados gerais de risco

 

Ao investigar as consequências dos terremotos no Chile, os pesquisadores computaram as curvas de perda média anual e superação de perda para vários componentes da economia chilena em nível nacional, regional e setorial. Entre as variáveis utilizadas, estão o emprego, o PIB nacional, PIB regional, salários, receita tarifária, índice de preços ao consumidor (IPC), volume de exportações etc.
 

Os resultados mais agregados da análise mostram que o AAL direto (perda média anual) para todo o país foi estimado em US$ 302 milhões, enquanto o AAL de perdas de produção chega a 0,132% do total anual da produção do país. As perdas diretas apuradas referem-se exclusivamente a edificações não residenciais.
 

O LEC (Curva de Excesso de Perdas) para perdas físicas é uma métrica padrão no mundo da avaliação de risco. No entanto, o LEC para perdas de produção é introduzido nessa pesquisa, permitindo estimar a perda de produção esperada para qualquer período de retorno. Como exemplo, a perda de produção associada a 250 anos de período de retorno para o Chile foi estimada em US$ 15.870 milhões (3,58% da produção total anual), enquanto as perdas diretas foram de US$ 5.025 milhões, ou seja, 4,85% do valor total das edificações não residenciais. Para 1000 anos de período de retorno, a produção e as perdas diretas foram de US$ 28.760 milhões e US$ 9.835 milhões, respectivamente.
 

No caso dos setores econômicos, a indústria de transformação do Chile apresenta as maiores perdas do país em termos absolutos. Já transportes, comunicações e serviços de informações apresentam as maiores perdas em termos de sua produção setorial, para qualquer período de retorno.

Além dos resultados agregados em nível nacional, a abordagem permite analisar o que acontece dentro de cada economia regional, computando tanto o AAL de perdas de produção, quanto o LEC de produção de setores econômicos em uma região específica.
 

O estudo, que contou com financiamento da FAPESP, também constatou que, para eventos menos severos, com baixo período de retorno (até 50 anos), as perdas de produção seguem uma relação proporcional positiva com as perdas diretas. Além disso, foi observado que as perdas de produção são maiores do que as perdas diretas para perdas com período de retorno entre 50 e 400 anos.

Comentários