O clima e a semântica

 

30 | JUL | 2021

A queda acentuada na temperatura em boa parte do Brasil essa semana tomou conta do noticiário, movimentou as rodas de conversa e abriu a antessala de 10 entre 10 reuniões virtuais. Mais do que uma condição meteorológica, no entanto, exibiu as faces diversas de uma mudança no clima. Morremos de frio. E essa não é apenas um hipérbole.

No âmbito econômico, ainda que não haja ameaça de desabastecimento, como garante o Ministério da Agricultura, a geada pressionou os preços dos alimentos e isso se soma a um cenário já complexo para a inflação deste ano, que pode fechar 2021 como  a mais alta desde 2015, quando bateu 10,67%. Ou seja: vai faltar alimentos na mesa dos mais vulneráveis mesmo que o ministério negue e que isso ocorra de forma indireta.

Além disso, se o lado econômico preocupa e gera impactos sociais por vias indiretas, essa mudança do clima expõe diretamente o flagelo de populações vulneráveis. Enquanto na nossa banal desigualdade social distópica, o frio vira tema de conversas amenas, desloca afoitos ávidos por neve para turistar em Gramado e Canela (RS), e leva cariocas a comprar gorros, o frio mata. Em matéria especial sobre os “migrantes da pandemia”, a Folha expõe o aumento de pessoas (sub) vivendo na rua. Perderam arrimos de família e, sem teto, foram para baixo de viadutos e armaram suas tendas ao relento.

Na verdade, não. Não é o frio que mata, como bem analisa Thiago Amparo. “Não é o frio que mata a população em situação de rua: é o capitalismo (...) Em SP morre-se mais da ausência de políticas de moradia do que de frio.”

Trazendo a coerência de seu raciocínio em relação à mudança do clima vivenciada essa semana para uma esfera global, entendemos que essa é apenas uma amostra do que estamos vivendo sem perceber em relação às mudanças climáticas. E diferenciar a mudança do clima, da mudança climática, não se trata de uma diferença semântica. E sim de fenômenos distintos relativos às oscilações de temperatura. Um no curto e outro no longo prazo. O primeiro é um efeito da natureza que não controlamos. Mas eles se tornam cada mais intensos e frequentes, na medida que não agimos enquanto indivíduos, empresas, governos e países, para evitar o segundo.

Philip Stephens, trata da inação mundial e diz que existe a política do clima e existem as políticas do clima. Também não é só uma questão semântica. “Não chegaremos a lugar nenhum sem as metas de eliminação dos combustíveis fósseis que serão discutidas na CoP-26. Mas não iremos além da discussão se os governos não definirem estratégias e mobilizarem recursos para tornar as metas viáveis. Não há muito tempo para isso. É só olhar para o clima.” É uma boa reflexão para ter em mente no dia em que três grandes petroleiras deverão anunciar seus resultados relativos ao segundo trimestre.

O professor José Eli da Veiga põe o dedo na ferida: “Não existe net zero”. “No âmbito corporativo, pululam iniciativas de marketing tentando convencer o público de que recuperação de florestas, produção de energia renovável e/ou compras de créditos de carbono amortizariam as emissões desta ou daquela empresa. Algumas chegam até a proclamar que já são “net zero”. Porém, o efeito disto tudo foi o esmorecimento dos cortes de emissões, trocados por contestáveis promessas de remoções. Não surgiram métodos confiáveis para serem auditadas as estimativas de futuros efeitos de expansões da cobertura vegetal e, muito menos, eficazes tecnologias de sequestro.”

Resumindo: estamos fingindo fazer alguma coisa, enquanto fingimos que acreditamos nas compensações de carbono, e os governos fingem discutir políticas públicas de redução de emissões em cúpulas do clima. Fingir é fugir do problema. E essa também não é apenas uma licença semântica.  

Boa leitura. Bom final de semana. 

#ARTIGOS

Celso Ming - A vez do hidrogênio verde

Renato Krausz - Novo ataque: ESG premia empresas predatórias e mundo seria melhor sem ele

Felipe Villela - Como a Agricultura Regenerativa pode mitigar a crise climática

Mariano Cenamo e Mônica C. Ribeiro - Negócios de Impacto Socioambiental positivo se multiplicam na Amazônia

Caroline Prolo - Como a conferência da ONU em Glasgow vai mudar o mercado de carbono

#ENTREVISTAS

Diversidade nos negócios - Em entrevista à Exame, Luis Henrique Guimarães, CEO da Cosan, falou sobre as transformações trazidas pelo ESG e afirmou que a diversidade dentro das empresas é um ativo positivo para os negócios.

Conservação Ecológica - Em entrevista ao Globo Rural, Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil China, fala da prioridade chinesa à “conservação ecológica do planeta” e, para isso, conta com a transparência das cadeias produtivas, principalmente de quem abastece o país oriental, como o Brasil.

#EMPRESAS

Schneider Electric e a GFN (Global Footprint Network) firmaram uma parceria com o objetivo de promover soluções em prol da preservação do meio-ambiente.

#AGRONEGÓCIO

Alimentos Orgânicos - A Prefeitura de Jundiaí, em São Paulo, está oferecendo terrenos ociosos para a população plantar orgânicos e gerar renda. A iniciativa Horta Urbana selecionou 15 terrenos para o  cultivo de frutas e hortaliças, além de plantas medicinais, aromáticas e ornamentais.

#DIVERSIDADE

Poucas líderes - Estudo divulgado pela empresa de seleção de executivos FESA Executive Search revela que, nas 25 principais empresas de energia que atuam no Brasil, apenas 6% dos cargos de liderança são exercidos por mulheres. O levantamento considerou as posições de CEO ou líder de áreas como operações, manutenção, novos negócios e engenharia e construção.

Presença Feminina - A disparidade da presença de homens e mulheres nos conselhos de administração das grandes empresas brasileiras foi apontada por um ranking criado pela Teva Indices, empresa dedicada a coletar dados relacionados ao ESG, em parceria com a plataforma Easynvest. De 382 companhias listadas na bolsa e avaliadas, apenas a Enjoei tem presença feminina majoritária.

Estágio para Negros - O Google lançou ontem a segunda edição do programa Next Step, o estágio exclusivo para estudantes negros. Após o sucesso da edição piloto, a empresa abrirá vagas também para seu escritório de Belo Horizonte. Como na primeira edição, o programa tirou requisito de inglês fluente para as vagas de negócios em São Paulo. 

Beleza Diversa - A Sephora disse que vai mais que dobrar o número de marcas de propriedade de negros até o final de 2021, parte dos esforços da varejista de beleza em aumentar a diversidade entre seus fornecedores e em suas próprias fileiras.

#ENERGIA

Reino Unido - O controle estrangeiro das operações de petróleo no Mar do Norte pode colocar em risco os planos do Reino Unido de atingir emissões carbono zero. 

#FINANÇAS

Relatórios ambientais - A Securities and Exchange Commission (SEC), a CVM americana, quer aumentar a cobrança às empresas em relação aos seus compromissos ambientais. O órgão estuda exigir que as companhias com ações listadas nas bolsas americanas divulguem o reporte climático junto dos relatórios anuais de resultados.

Consumo Sustentável - Estudo global da PwC mostrou que 50% dos consumidores se consideram ecológicos nas suas decisões de compra. No Brasil, 49% das pessoas ouvidas disseram que compram pensando no meio ambiente.

#MEIO AMBIENTE

Terra Sobrecarregada - Ontem aconteceu o Dia de Sobrecarga da Terra, data que marca o momento no qual a humanidade usa uma quantidade de recursos naturais equivalente à capacidade de carga do planeta em um ano. Este ano, usamos todos os recursos em sete meses.

Resíduos Orgânicos - Um estudo mostrou que milhões de toneladas de resíduos agrícolas, florestais e orgânicos urbanos poderiam estar sendo usados para produzir energia, fertilizantes ou outros subprodutos.

Estratégia ESG é uma iniciativa de Alter Conteúdo em parceria com a agência epbr

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