Trindade: Comunidade de Amor



 Padre Valter Lucato Campano Junior, Chanceler da Diocese de Jales


A Santíssima Trindade é de longe a imagem religiosa de nossa fé cristã mais complexa de se entender: um só Deus em três pessoas. Na verdade Deus é simples, isto é, uno, mas se ramifica em três, contudo sem perder a sua unidade. São João Paulo II em sua oração do ângelus na solenidade da Santíssima Trindade no ano de 1997 afirmou: “A Trindade, que o cristianismo confessa, em nada prejudica a unidade de Deus. O único Deus apresenta-Se aos nossos olhos não como um Deus ‘solitário’, mas como um Deus-comunhão. A primeira carta de João exprime admiravelmente este mistério, quando diz: ‘Deus é Amor’ (1 Jo. 4, 8)”. Este é, pois, o segredo de Deus: a unidade da comunidade.

Sabemos que o nosso entendimento sobre esse mistério é extremamente limitado, mas a graça trinitária nos envolve constantemente, e disso a Igreja dá testemunho. É uma comunidade que jamais se encerra, que jamais se desune, que não deixa de amar. Por ser uma comunidade em plenitude é que não se pode compreender tal mistério. Uma das várias imagens que temos de Agostinho de Hipona, bispo do século V, é quando em um sonho encontra uma criança, que na verdade era um anjo, tentando colocar toda a água do mar em um buraquinho na areia; assustado Agostinho tenta convencê-la de que é impossível fazer aquilo que pretendia, ao que a criança responde: é mais fácil colocar o mar aqui que compreenderes o mistério da Santíssima trindade.

Cristo por meio de sua encarnação e insistência na pregação do amor procurou efetivar entre nós essa unidade. Por meio do Cristo é que conhecemos o Pai, ele que nos deu o mandamento da unidade, o de amarmos uns aos outros, sem reservas e até a morte.

É na Santíssima Trindade que nossa comunidade cristã alcança seu sentido pleno. Há um termo de origem grega utilizado inicialmente pela Igreja Oriental e depois adotado também pela Ocidental, “pericorese”, que significa ao pé da letra “compenetração mútua”. Esse termo se aplica na doutrina da Trindade para dizer que cada pessoa da Santíssima Trindade está intimamente e perfeitamente unida à outra. Por essa razão é que ininterruptamente uma pessoa se identifica com a outra, se doa à outra, e na sua doação faz com que a outra também seja. Aqui encontramos, portanto, o modelo perfeito ao qual deve recorrer nossa comunidade neste mundo rumo à perfeição.

Eis a nossa vocação cristã, a de imprimir com a maior fidelidade possível a comunidade trinitária em nossa vida social. O cardeal Raniero Cantalamessa em seu retiro pregado ao papa no tempo do advento do ano 2000 disse: “Como é diferente a atmosfera que se respira quando, em um corpo social, nos esforçamos para viver com estes ideais sublimes diante de nossos olhos!”. Na continuação o cardeal cita ainda Agostinho em um de seus tratados sobre o evangelho de João, que por sua vez fala da importância de todos os membros da Igreja. Nossa meta é viver de tal forma que possamos nos alegrar com a alegria do outro, pois a “inveja separa, a caridade une” (Agostinho).

Milhares de irmãos, membros de nosso corpo místico, diariamente sofrem. Durante a pandemia medidas equivocadas de vários governantes permitiram que tantos irmãos sofressem com a falta de emprego digno, a fome, nos afastando cada vez mais do projeto de uma fraternidade social inspirada naquela trinitária. Somos cristãos, nossa marca é o amor! Portanto, compadeçamo-nos uns dos outros como verdadeira comunidade humana. A Igreja se coloca ao lado de todos os que sofrem, chora com os que choram, e se une à voz dos que clamam pela vida e dignidade. Que repitamos o milagre de Jesus que uniu a comunidade dos doze tão diferentes, e os fez um. Que juntos vençamos a discórdia pelo laço do amor a todos, sem distinção. 

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