Competição x Cooperação no contexto da pandemia da COVID 19

 


* Fernanda de Tavares Canto Guina

 

A pandemia da COVID 19 trouxe à tona algumas reflexões. Entre elas a importância da cooperação internacional e da troca de informações, especialmente no que se refere aos aspectos terapêuticos para o tratamento da doença. Observou-se um intercâmbio importante de informação sobre os mecanismos eficazes de tratamento entre os países do mundo todo, especialmente no âmbito de diferentes grupos de pesquisa, como nas universidades e nos hospitais.

Por outro lado, nos grandes laboratórios farmacêuticos notou-se uma carência de troca de experiências fundamentais. Interesses políticos e econômicos de determinados países certamente contribuíram negativamente para esta situação.

Os grandes laboratórios privados estão apensos a interesses dos acionistas, que justificadamente buscam lucro, pois o desenvolvimento de uma vacina ou e de um fármaco novo e revolucionário é extremamente oneroso, mas pode proporcionar alentados lucros.

Entretanto, num momento em que se assiste milhares de pessoas morrendo nos hospitais abarrotados de casos da COVID 19, sem oxigênio, sem respirador, sem leitos de UTI, ou morrendo de fome, diante da perda de milhares de postos de trabalho, causa indignação o baixo nível de cooperação entre os laboratórios.  Falta de uma advertência luminosa não foi. Bill Gates advertiu, há cinco anos, que a ameaça de uma catástrofe global viria não de bombas atômicas, mas sim de uma epidemia, com relação a qual o mundo não estaria preparado para enfrentar.

O que teria faltado para modificar este cenário da COVID 19, seriam líderes que pudessem inspirar, organizar e financiar uma reposta coordenada. Ademais, políticos irresponsáveis solaparam deliberadamente a confiança na ciência, nas instituições e na cooperação internacional, culminando na carência atual de verdadeiros líderes responsáveis e imbuídos de um sentimento legítimo de solidariedade, como destaca Youval Rarari, no seu livro “Notas sobre a Pandemia”. Sobejos exemplos dessa carência de líderes podem ser facilmente e tristemente identificados ao nosso redor e em várias partes do mundo, a exemplo do ex-presidente dos EUA, Donald Trump.  

Na Primeira e na Segunda Grande Guerra Mundial, os países lutavam por ampliação territorial e os inimigos eram facilmente identificáveis. O que se depreende da situação atual, é uma disputa pelo domínio tecnológico, no âmbito da qual as grandes potências, uma delas querendo se manter como dominante e outra em rápido desenvolvimento, lutam pela hegemonia global.

Dentro desta disputa tecnológica, evidente há tempos, um inimigo sui generis surge, e é invisível, e trouxe consigo desafios nunca enfrentados na história humana pela forma atual de propagação, considerando que o vírus leva menos 24 horas para dar a volta ao mundo por avião.

Combatê-lo a partir de esforços desconexos dos países que contam com os grandes laboratórios inviabilizou uma luta eficiente contra esta praga atual. Vacinas e medicações poderiam estar disponíveis muito mais facilmente se houvesse esta cooperação, que além do legítimo interesse econômico, poderia ter vindo imbuída de humanismo e solidariedade, características estas que a grande maioria dos sistemas políticos atuais infelizmente não fomentaram.

Como exemplo dessa deletéria desconexão, estariam em desenvolvimento no mundo, de acordo com a Universidade Mc Grill, nos EUA, 73 vacinas contra o Coronavírus Sars_Cov-2.

O mundo não é justo. A maneira de como a pandemia está sendo enfrentada remete àquela feliz comparação na qual algumas pessoas e países para se defenderem,  estão de iate, outras de caiaque e outras nadando, na tempestade.

Evidentemente que os países mais pobres, com menor acesso às vacinas, medicações e leitos hospitalares, sofrerão de uma forma muito mais intensa do que aqueles com melhor condição econômica, situação que poderia ser minorada se houvesse esse sentimento de urgência e solidariedade entre os países e os laboratórios.

A China já concentra, juntamente com a Índia, grande parte dos insumos farmacêuticos ativos, que compõem boa parte dos remédios e vacinas distribuídos no Brasil. Nosso país já produziu 60% dos seus insumos, hoje produz apenas 10%, aumentando muito a dependência externa, o que impacta negativamente, como um exemplo claro, da desvantagem dos países mais pobres, no enfrentamento da pandemia.

Nesse contexto de desigualdade econômica profunda, em que a conta será paga de uma forma injusta, pelas vidas perdidas, pelo desaparecimento do emprego e pelo fechamento de milhares de empresas, esta falta de coordenação mundial, a carência de solidariedade, e essa visão de lucro acima de tudo, produz, como efeito colateral, além do sofrimento físico e mental, um profundo sentimento de desamparo e desilusão naquelas pessoas deixadas à margem de um mínimo de condição de sobrevivência, como bem explicita Michael Sandel, em seu livro A Tirania do Mérito.

Os países mais pobres se tornarão ainda mais pobres em decorrência da carência de uma cobertura vacinal maior, feita em menos tempo, e diante de inúmeros lockdowns, levando pequenas empresas pouco capitalizadas à falência.

A necessidade do lucro sempre existirá. Entretanto, ele não pode ser a única razão de existir das empresas.  Desse sofrimento impensável até há pouco tempo, pode-se tirar pelo menos uma grande lição, que representa talvez uma saída honrosa para o futuro da humanidade. No mundo globalizado, não há mais como coexistir sem uma estrita cooperação tecnológica, que diminua a desigualdade, para e passo com uma maior solidariedade entre indivíduos, empresas e nações.

 

*Fernanda de Tavares Canto Guina - Bacharel em Relações Internacionais, pela Universidade de Brasília, Mestre em Administração de Organizações pela Universidade de São Paulo e Doutoranda em Administração de Organizações pela USP entre 2013 e 2015. É autora de livros como The Country of Origin Effect for the Brazilian Beef in Europe (2011), Caminhos da Pecuária Brasileira (2012), entre outros vários artigos acadêmicos sobre a Imagem do Brasil e o chamado Efeito País de Origem.

 

Comentários