A palingenesia e o profeta Ezequiel

 


Ricardo Lebourg Chaves  é Advogado, professor de direito e
cristão gnóstico – ricardolebourg@yahoo.com.br

O estudo técnico e hermenêutico da Bíblia Sagrada exige, de certa maneira, bastante prudência no que tange à interpretação de algumas expressões literárias utilizadas no Velho e no Novo Testamento. Realmente, algumas expressões teológicas têm, muitas vezes, sentido diverso da interpretação feita por alguns biblistas contemporâneos. Nesse contexto, a palavra ressurreição é, como veremos, um termo rotineiramente utilizado como sinônimo de palingenesia ou de reencarnação.
Conforme a tradicional e milenar cultura semítico-cristã, o Livro de Ezequiel, que consta das Velhas Escrituras, é muito mal interpretado no que diz respeito à passagem evangélica conhecida, no universo sociorreligioso, como a ressurreição do vale de ossos de Ezequiel (Ez 37:7-13). De fato, o presente episódio bíblico descreve, segundo os costumes hebraicos, uma profetização pertinente à ressureição dos ossos mortais da Casa de Israel.
Assim, esse antigo vidente judeu parece realmente vaticinar uma espécie genuína de ressurreição da carne humana, a qual atinge obviamente o nosso corpo biológico, vejam: “E eu profetizei conforme a ordem recebida. E, enquanto profetizava, houve um barulho, um som de chocalho, e os ossos se juntaram, osso com osso. Olhei, e os ossos foram cobertos de tendões e de carne, e depois de pele” (Ez 37: 7,8).
Todavia, essa não é, com certeza, a melhor interpretação no que diz respeito à palavra ressurreição, pois ficou bastante claro que Ezequiel está profetizando o regresso do espírito ao corpo físico, o qual é, evidentemente, composto de ossos, tendões, carne, bem como de pele. Por conseguinte, entendemos que o termo ressurreição está, nesse caso específico, sendo utilizado como sinônimo de reencarnação ou de palingenesia. Além disso, não podemos esquecer-nos de que a ressurreição pertinente à fase escatológica da humanidade atinge somente o corpo espiritual. De fato, Paulo afirma que: “Semeia-se corpo natural, ressuscitará corpo espiritual. Se há corpo natural, há também corpo espiritual” (1Co 14:44). Ademais, Paulo também ensina-nos, em outro episódio bíblico, que a ressurreição realmente abrange apenas os corpos celestes, porque a carne e o sangue não podem, em hipótese alguma, herdar o reino de Deus, observem: “E agora digo isto, irmãos: que a carne e o sangue não podem herdar o reino de Deus, nem a corrupção herdar a incorrupção” (1 Co 15:50).
Devemos ressaltar, por fim, que a Bíblia Sagrada foi escrita há vários séculos, o que, sem dúvida, pode dificultar sobremaneira a sua interpretação e consequente tradução. Assim, é necessário que o exegeta saiba contextualizar com precisão o verdadeiro significado das palavras usadas sob pena de incorrer em grave erro hermenêutico. Por tudo isso, não podemos negar que o profeta Ezequiel está, nesse caso sui generis, tratando de uma ressureição intermediária, a qual, na verdade, representa a reencarnação ou a palingenesia.
 

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