O catarismo gnóstico e a intolerância religiosa


Ricardo Lebourg Chaves  é Advogado, professor de direito e cristão gnóstico – ricardolebourg@yahoo.com.br 

No entendimento de vários teólogos modernos, a história da cristandade está, em grande parte, fundamentada na multiplicidade de cultos e de crenças cristãs. Além disso, essa história espiritualista e heterogênea também se baseia, muitas vezes, em manifestações sociorreligiosas injustas, intolerantes e violentas. Infelizmente, é nesse contexto de intolerância étnica, religiosa e espiritual que enquadramos, sem dúvida, o genocídio cometido em detrimento dos devotos do catarismo gnóstico albigense, o qual surgiu em meados do século XII, na região de Languedoc, que pertence à França meridional.
  Não obstante a influência dos costumes políticos e socioeconômicos europeus, o catarismo foi um movimento cristão gnóstico fundamentado no espiritualismo, no misticismo e, sobretudo, nos ensinamentos esotéricos revelados secretamente pelo Cristo a alguns dos seus discípulos. O catarismo, além disso, foi também um movimento iniciático que se baseou, em sua maior parte, nos valores éticos, morais e espirituais vinculados ao cristianismo primitivo. Devemos ressaltar, ainda, que essa seita heterogênea e sincrética foi inspirada no arianismo e no origenismo cristãos. Por isso, os cátaros pregavam abertamente a autorredenção espiritual e moral, a preexistência da alma, a palingenesia, a imanência de Deus e a ressurreição em espírito. Os cátaros, ademais, não aceitavam os ensinamentos originários do Velho Testamento, bem como condenavam as decisões proclamadas pelo Concílio Ecumênico de Niceia, o qual consolidou, política e dogmaticamente, a divindade absoluta do Cristo no século IV.
Como consequência de suas divergências espirituais em relação à linha cristã ortodoxa, os cátaros, lamentavelmente, acabaram despertando o ódio da Igreja de Roma, a qual resolveu tomar providências radicais em detrimento desse segmento religioso. De fato, o papa Inocêncio III acabou declarando, no século XIII, uma guerra sangrenta, desleal e injusta contra essa seita. A principal característica desse episódio histórico foi, sem dúvida, o fato de o catarismo ter sido combatido por meio de uma “guerra santa”, a qual, lamentavelmente, ocorreu entre os próprios devotos do cristianismo. Assim, Languedoc, no sul da França, sofreu um grande cerco liderado por um exército católico político, inescrupuloso e mercenário, o qual acabou exterminando toda a cristandade catarista.
Apesar disso, vários ideais espiritualistas ligados aos cátaros continuam a influenciar, sobremaneira, o cristianismo moderno. De fato, crenças cristãs primitivas como a busca pela perfeição espiritual e moral, a ressureição em espírito, a preexistência da alma e a reencarnação, permanecem, até hoje, enraizadas à fé cristã. Ademais, o assassinato em massa imposto pela Igreja Católica aos fiéis do catarismo gnóstico tornou-se, inegavelmente, um péssimo exemplo de intolerância religiosa, que nunca deve ser esquecido pela humanidade.

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