Titular da Economia vive 'fritura' deflagrada pela insistência no discurso de manutenção da política de ajuste fiscal
26 abr 2020
Considerado nos bastidores a "bola da vez" da fritura no governo, o
ministro da Economia, Paulo Guedes, entrou em atrito com colegas na
Esplanada e expôs sua contrariedade com o plano econômico anunciado na
semana passada para o período pós-pandemia do coronavírus. Em conversa
ríspida com o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, no
Palácio do Planalto, acusou o ex-auxiliar de atrapalhar a atuação do
Banco Central na crise e na política de juros.
O diálogo foi trocado quando os dois ministros, agora desafetos, se
encontraram para o pronunciamento do presidente Jair Bolsonaro, na
sexta-feira, depois da demissão de Sérgio Moro do Ministério da Justiça e
da Segurança Pública. A desavença envolvendo o outro "superministro" do
governo coloca mais lenha na fogueira da crise política que o
presidente enfrenta.
Depois de Luiz Henrique Mandetta, demitido da Saúde, e de Moro, Guedes
entrou no processo de "fritura" deflagrado por uma ala do governo por
insistir no discurso de manutenção da sua política de ajuste fiscal. O
presidente, como mostrou o Estado, está disposto a dar um
"cavalo de pau" no seu governo e aposta no Plano Pró-Brasil, baseado em
obras e investimentos com dinheiro público, para recuperar o País na
fase pós-pandemia. Essa mudança de rumo envolve ainda a aproximação com
parlamentares do Centrão, bloco informal do Congresso que não gosta de
Guedes e defende o aumento dos gastos públicos.
Nos bastidores, a área econômica vê uma articulação de Marinho com
parlamentares para colocar em Guedes o carimbo de insensível com os
pobres. O ministro da Economia tem rebatido as críticas ao dizer a
interlocutores que partiu dele próprio a ideia de criação do auxílio
emergencial aos trabalhadores informais, combinando com presidente para
subir o valor e chegar aos R$ 600.
As especulações no mercado sobre uma possível saída de Guedes
aumentaram após as demissões de Mandetta e de Moro terem sido motivadas
pela interferência do presidente nas duas pastas. A pergunta que agora
se faz no meio político é se Guedes vai aceitar uma ingerência de
Bolsonaro em suas ações. Os dois ex-colegas de Esplanada não aceitaram.
Apesar da pressão, o ministro tem dito a interlocutores que não há
nenhuma intenção de deixar o cargo, mas também não pretende mudar sua
política econômica de aumento dos investimentos via iniciativa privada.
Contraponto
Auxiliares diretos de Bolsonaro reclamam da "visão fiscalista" do
Ministério da Economia e da falta de um contraponto econômico dentro do
governo, como havia antes da criação do superministério sob a alçada de
Guedes.
Após tomar as rédeas da negociação com o Congresso na reforma da
Previdência, no ano passado, quando ainda assessorava Guedes, Marinho
ganhou a confiança de Bolsonaro. Alçado a ministro, passou a fazer parte
de um núcleo de conselheiros mais próximos do presidente.
No encontro de sexta-feira no Planalto, Marinho tentou uma conversa com Guedes, sem sucesso. Segundo apurou o Estado,
o ministro da Economia disse ao ex-auxiliar que só conversa com ele no
"fórum que ele escolheu", ou seja, em reuniões ministeriais. "Não tenho
nada para conversar com você", avisou o ministro. Marinho não foi para o
embate.
O ministro da Economia chegou a citar que chamaria o presidente do BC,
Roberto Campos Neto, também presente no pronunciamento de Bolsonaro,
para mostrar o "estrago" que o Plano Pró-Brasil, anunciado sem a equipe
econômica, fez no mercado e no valor das empresas brasileiras, trazendo
incertezas para o futuro da economia. No dia do lançamento do plano, o
dólar subiu, os juros a longo prazo abriram em alta e a Bolsa caiu.
Guedes e sua equipe batizaram, internamente, o plano Pró-Brasil de "PAC
do Marinho", numa referência ao Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC) de obras públicas dos governos do PT.
O ministro afirmou a auxiliares que Marinho foi o articulador do
programa e foi chamando "um a um" os ministros para comprarem a ideia e
emplacar uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) "fura teto de
gastos", a regra fiscal que o impede o crescimento das despesas acima da
inflação. A interlocutores, o Marinho negou que Guedes tenha falado na
sua frente sobre BC e nega o rompimento.
A expectativa em parte do governo é de que haverá uma convergência de
ideias em torno da necessidade dos investimentos públicos para a
retomada econômica após a crise, o que está sendo feito no mundo todo
devido ao aumento da aversão ao risco. O maior exemplo, na avaliação dos
defensores desse quadro, é decisão da Boeing de desistir de comprar a
Embraer.
Resposta
O Ministério do Desenvolvimento Regional disse que não há indisposição
entre Rogério Marinho e Paulo Guedes. O Ministério da Economia não
comentou.
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