TJ-SP mantém condenação de delegado da Polícia Civil a mais de 20 anos de prisão por fraudes na emissão de CNHs

 


Julgamento na segunda instância também atinge outros cinco réus, entre funcionários da Ciretran e dono de autoescolas, em Presidente Epitácio.

Por Gelson Netto e Wellington Roberto, G1 Presidente Prudente

26/03/2019 19h09 Atualizado há uma hora



O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) manteve a condenação do delegado da Polícia Civil Donato Farias de Oliveira a uma pena de mais de 20 anos de reclusão em decorrência de um esquema fraudulento para a obtenção irregular de Carteiras Nacionais de Habilitação (CNHs) que funcionava junto à Circunscrição Regional de Trânsito (Ciretran) de Presidente Epitácio, repartição da qual ele ocupou o cargo de diretor.

Ao analisar o caso em segunda instância, a 6ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP negou provimento ao recurso de apelação impetrado pela defesa do delegado contra a sentença condenatória proferida pelo Fórum da Comarca de Presidente Epitácio.

A mesma decisão do TJ-SP também condenou por envolvimento no esquema fraudulento outros cinco réus: quatro pessoas que trabalhavam na Ciretran e o dono de duas autoescolas em Presidente Epitácio.

No julgamento das apelações impetradas pelos advogados dos réus, o único que obteve parcial provimento no recurso foi Samuel Cavalcanti da Silva, oficial administrativo da Ciretran, que teve a pena reduzida de 8 anos, 1 mês e 11 dias, na primeira instância, para o total em definitivo de 6 anos de reclusão, no TJ-SP.

Os demais réus, assim como se deu com Donato Farias de Oliveira, não obtiveram sucesso em seus recursos encaminhados à segunda instância.

Também teve parcial provimento o recurso apresentado pelo Ministério Público.

Segundo o acórdão do julgamento em segunda instância disponibilizado nesta segunda-feira (25) pelo TJ-SP, os seis réus foram condenados às seguintes penas:

· Donato Farias de Oliveira, delegado da Polícia Civil: 20 anos, 7 meses e 17 dias de reclusão.

· João Bosco Barbosa Interaminense, dono de duas autoescolas em Presidente Epitácio: 9 anos e 13 dias de reclusão.

· Cláudio Tsuyoshi Ioshitake, oficial administrativo da Ciretran: 7 anos, 8 meses e 13 dias de reclusão.

· Ingrid Delvechio Dias da Silva, então oficial administrativa da Ciretran: 6 anos, 5 meses e 10 dias de reclusão, mais 3 meses de detenção.

· Marina Cristina Alberto Pereira, oficial administrativa da Ciretran: 7 anos e 13 dias de reclusão.

· Samuel Cavalcanti da Silva, oficial administrativo da Ciretran: 6 anos de reclusão.

À exceção de Samuel Cavalcanti da Silva, que não teve um montante estabelecido pelo TJ-SP, todos os outros cinco réus ainda foram condenados ao pagamento de quantias que variam de 32 a 107 dias-multa em seu valor mínimo estipulado pela legislação, ou seja, cada um equivalente a 1/30 do salário mínimo vigente à época dos fatos, com correção monetária.

Para dois dos réus – Marina Cristina Alberto Pereira e Cláudio Tsuyoshi Ioshitake –, o TJ-SP estabeleceu o regime semiaberto para o cumprimento das penas. Já para os outros quatro, ficou determinado o regime fechado.

As condutas que levaram às condenações, dependendo de cada réu, referem-se aos crimes de violação de sigilo profissional qualificada, inserção de dados falsos em sistema de informações, falsidade ideológica, supressão de documento, corrupção passiva, advocacia administrativa e corrupção ativa.

Ainda na sentença condenatória de primeira instância, proferida em outubro de 2017 pelo Fórum de Presidente Epitácio, os réus Ingrid Delvechio Dias da Silva, Marina Cristina Alberto Pereira, Samuel Cavalcanti da Silva, Cláudio Tsuyoshi Ioshitake e Donato Farias de Oliveira foram condenados à perda dos cargos públicos que ocupavam.

Em juízo, todos os réus negaram as imputações que lhes foram feitas pelo Ministério Público.

Irregularidades

Segundo o acórdão do TJ-SP, as investigações apontaram que as irregularidades foram constatadas na Ciretran de Presidente Epitácio entre os anos de 2011 e 2013.

A Corregedoria Geral da Administração do Estado de São Paulo analisou as irregularidades que ocorriam na Ciretran de Presidente Epitácio e constatou, através do sistema da Companhia de Processamento de Dados do Estado de São Paulo (Prodesp), que o órgão havia emitido 916 CNHs entre os meses de dezembro de 2012 e janeiro de 2013. Todavia, só foram encontrados 640 prontuários de condutores, restando uma diferença de 276.

Conforme pontuou o desembargador Renato Cardozo de Mello Tucunduva, relator do acórdão na 6ª Câmara de Direito Criminal do TJ-SP, isso mostra que "mais de 30% das Carteiras de Habilitação emitidas foram expedidas sem o respectivo prontuário".

Como se não bastasse, segundo Tucunduva, dos prontuários apresentados à Corregedoria do Estado, inúmeras irregularidades foram encontradas, como, por exemplo, muitas inserções de dados falsos no sistema de informação do Estado de São Paulo.

O desembargador citou como irregularidades constatadas a inserção de dados de 14 condutores no sistema sem o pagamento das taxas e sem a juntada dos documentos necessários; a falta de verificação da veracidade de documentos de 6 condutores; a falta de assinatura do psicólogo ou do médico na planilha e nos certificados de conclusão de curso teórico para permissão do direito de dirigir, entre muitas outras irregularidades que foram observadas em 47 prontuários; e a falta de assinatura do interessado no certificado de conclusão de curso para mudança ou adição de categoria ou permissão do direito de dirigir, ou no exame teórico, relativamente a 22 prontuários.

De acordo com o TJ-SP, João Bosco Barbosa Interaminense "transformou a Ciretran de Presidente Epitácio numa extensão das suas autoescolas, corrompendo os funcionários e o Delegado responsável por aquele órgão, facilitando a emissão das CNHs dos seus alunos, muitas vezes sem que fossem realizadas as aulas e as provas".

Conforme o acórdão, Interaminense "continuou a utilizar dessa relação promíscua com os funcionários da Ciretran de Presidente Epitácio para facilitar a emissão das CNH dos alunos das suas autoescolas".

O relator do caso no TJ-SP registrou que ao menos 65 prontuários cujos dados foram inseridos no sistema da Prodesp com o código de uma das funcionárias envolvidas "estavam maculados por fraudes na obtenção das cartas de motorista".

Sem exames

De acordo com o relato apresentado no acórdão, a mãe de um rapaz contou à Corregedoria Auxiliar da Polícia Civil, em abril de 2013, que o seu filho havia obtido uma Carteira Nacional de Habilitação sem ter sido submetido aos necessários exames médico, teórico e de direção veicular. A mulher disse, ainda, que o filho era viciado em drogas e que poderia gerar perigo à sociedade caso dirigisse um veículo automotor. Ela também revelou que o filho havia sido reprovado em todos os exames que tinha feito no Estado de Minas Gerais e que só obtivera a habilitação porque havia pago aproximadamente R$ 3.000,00 para alguém de uma das autoescolas de Interaminense.

O condutor foi intimado a comparecer à Corregedoria e, ao ser interrogado, disse não saber ler nem escrever, e confessou que havia comprado a sua CNH por R$ 2.700,00. Ele apontou ainda que a pessoa que fez a intermediação junto à Ciretran foi Interaminense, o dono da autoescola.

A CNH dele foi apreendida pelos delegados da Corregedoria e, ao consultá-la no sistema eletrônico do governo do Estado de São Paulo (Prodesp), as autoridades policiais constataram haver no registro do rapaz as informações de que ele havia sido aprovado no exame teórico no dia 4 de dezembro de 2012 e, na prova prática, no dia 10 de janeiro de 2013.

Os delegados também apuraram que, entre os meses de dezembro de 2012 e janeiro de 2013 – período em que consta no sistema da Prodesp que o rapaz realizou as provas teórica e prática –, não existe nenhuma lista de presença com o nome dele nem, menos ainda, atas dos referidos exames.

Aliás, segundo o acórdão, verificou-se que não foi realizado exame prático na cidade de Presidente Epitácio no mês de janeiro de 2013.

As investigações apontaram que o próprio delegado Donato Farias de Oliveira admitiu saber que todos os funcionários da Ciretran usavam um código administrativo, que era de acesso restrito ao diretor, para realizar operações no sistema da Prodesp.

Situação funcional

Em nota ao G1 nesta terça-feira (26), o Departamento Estadual de Trânsito de São Paulo (Detran-SP) informou que os funcionários citados foram suspensos das funções públicas em junho de 2015.

O órgão estadual esclareceu ao G1 que instaurou processos administrativos disciplinares, enviados à Procuradoria Geral do Estado de São Paulo em outubro de 2016.

Os processos estão em andamento.

Ainda segundo o Detran-SP ressaltou ao G1, uma das funcionárias, Ingrid Delvechio Dias da Silva, pediu exoneração do cargo.

De acordo com as informações repassadas ao G1 pela Delegacia Seccional da Polícia Civil com sede em Presidente Venceslau, que responde por Presidente Epitácio, o delegado Donato Farias de Oliveira está afastado de suas funções, atualmente, sem prejuízo de vencimentos.

Defesas

O advogado Sidney Duran Gonçalez, que trabalha na defesa de Donato Farias de Oliveira, afirmou ao G1 que aguarda a publicação do acórdão pelo TJ-SP para ingressar com o recurso cabível ao caso.

A advogada Keth Sander Pinotti da Silva, que atua nas defesas de Cláudio Tsuyoshi Ioshitake e Samuel Cavalcanti da Silva, informou ao G1 que vai impetrar recursos nas instâncias superiores para tentar reverter a decisão do TJ-SP. De acordo com a advogada, seus clientes não trabalham na Ciretran desde antes da sentença condenatória de primeira instância.

Tersio Idbas Moraes Silva, advogado que atua na defesa de Marina Cristina Alberto Pereira, informou ao G1 que ainda não foi notificado da decisão do TJ-SP, mas assim que o for, apresentará recurso cabível, pois acredita na inocência de sua cliente. Marina está afastada de suas funções desde o dia 29 de maio de 2015, conforme informações do advogado ao G1.

O G1 tentou contato com o advogado Gleidmilson da Silva Bertoldi, que defende João Bosco Barbosa Interamininse, pelo telefone de seu escritório, durante a tarde desta terça-feira (26), mas ele não estava no local. Não foi fornecido outro telefone de contato de Bertoldi.

A reportagem do G1 também tentou contato com o advogado Vinícius Vilela dos Santos, que atua na defesa de Ingrid Delvechio Dias da Silva, mas as ligações para seu celular não foram atendidas

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