MPF recomenda que unidades militares em SP não celebrem aniversário do golpe de 1964

Chamado de Jair Bolsonaro às comemorações em 31 de março é inconstitucional por exaltar ataque à democracia; atuação faz parte de ação coordenada nacional

O Ministério Público Federal em São Paulo recomendou aos comandos do Exército e da Marinha no estado que deixem de celebrar os 55 anos do golpe militar de 1964, no próximo dia 31. Apesar de incentivadas pela Presidência da República, eventuais comemorações da data infringem a Constituição por exaltarem a instauração de um regime autoritário que resultou em ataques à democracia e aos direitos humanos no Brasil, como mortes e desaparecimentos de opositores e a cassação de parlamentares.
 
A chancela do presidente Jair Bolsonaro às solenidades foi divulgada na segunda-feira, 25 de março, por meio de pronunciamento do porta-voz da Presidência da República, Otávio Rêgo Barros. "O nosso presidente já determinou ao Ministério da Defesa que faça as comemorações devidas com relação a 31 de março de 1964, incluindo uma ordem do dia, patrocinada pelo Ministério da Defesa, que já foi aprovada pelo nosso presidente", declarou.
 
As recomendações da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão (órgão do MPF/SP) foram enviadas ao Comando Militar do Sudeste e ao 8º Distrito Naval, situados na capital paulista, para que os comandantes não só deixem de promover as celebrações sugeridas por Bolsonaro, mas também impeçam que militares a eles subordinados façam parte de possíveis eventos do gênero. Além de inconstitucional, a participação de oficiais atentaria contra regulamentos disciplinares das Forças Armadas que vedam manifestações políticas de seus membros.
 
O MPF destaca que homenagens ao aniversário do golpe de 1964 contrariam o Estado Democrático de Direito, consagrado pela Constituição de 1988 com o reconhecimento da soberania popular. A Carta Magna traz expresso repúdio à tortura e à ação de grupos armados, civis ou militares, que visem à violação da ordem constitucional e da democracia. A repulsa a práticas ditatoriais está presente também no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que reconhece a ocorrência de atos de exceção durante o período do regime militar.
 
"O Presidente da República se submete à Constituição Federal e às leis vigentes, não possuindo o poder discricionário de desconsiderar todos os dispositivos legais que reconhecem o regime iniciado em 31 de agosto de 1964 como antidemocrático", ressalta o MPF. Segundo a Procuradoria, é preciso considerar "o dever do Estado Brasileiro não só de reparar os danos sofridos por vítimas de abusos estatais no mencionado período, mas também de não infligir a elas novos sofrimentos, o que é certamente ocasionado por uma comemoração oficial do início de um regime que praticou graves violações aos direitos humanos".
 
O MPF lembra ainda que a conduta da Presidência da República vai na contramão da postura adotada pelo próprio governo brasileiro nas recentes tratativas internacionais sobre a situação da Venezuela. Em janeiro, o Brasil assinou a Declaração do Grupo de Lima, pela qual os signatários exigiram o restabelecimento da democracia no país vizinho. Antes, em junho de 2018, a representação brasileira na Organização dos Estados Americanos (OEA) já havia defendido que o país sob gestão de Nicolás Maduro fosse suspenso da instituição por violar os preceitos da Carta Democrática Interamericana.
 
Os destinatários das recomendações têm 48 horas para responder se acatam os pedidos. A requisição da Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão em São Paulo é parte de uma ação coordenada nacional, que reúne unidades do MPF em vários estados.

 

Comentários