
Com dificuldade por conta de um problema nas
cordas vocais, o estudante Delleon Fernando Oliveira explica o seu problema para
o conciliador de Justiça Samuel Teixeira dos Santos: comprou pela internet três
pares de tênis de uma empresa estrangeira. Um deles, que custou R$ 153, seria
presente de aniversário para sua mãe – justo este não chegou. Próxima a Delleon
está uma funcionária da empresa com a proposta de acordo para a compensação do
dano. Nas duas mesas enfileiradas ao lado, outros conflitos são expostos
simultaneamente: uma consumidora cujo celular foi bloqueado por falta de
pagamento e um rapaz que teve a bicicleta furtada em um condomínio no Riacho
Fundo, região administrativa do Distrito Federal.
Ao contrário do que parece, eles não estão em um
fórum ou juizado especial, mas dentro de um ônibus estacionado à margem da
avenida Recanto das Emas, outra região administrativa, a 40 minutos do centro de
Brasília. Na calçada, cerca de dez pessoas aguardam para subir os três degraus
do ônibus da Justiça Itinerante do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos
Territórios (TJDFT). Não precisam esperar muito sob o sol das três horas da
tarde: a maioria dos conflitos é resolvida rapidamente e o fluxo é
tranquilo.
O ônibus atende um dia por semana às populações
mais carentes das cidades afastadas do plano piloto de Brasília. A ideia é
propiciar o acesso de modo mais informal do que nos tradicionais ambientes do
Judiciário e com mais agilidade para evitar a judicialização desnecessária. No
primeiro contato, o problema é relatado à equipe que elabora a petição,
distribui a ação e marca a audiência de conciliação a ser realizada no mesmo
local, em média, 30 dias depois.
Em ônibus da Justiça Itinerante, a maioria dos conflitos é resolvida rapidamente e o fluxo é tranquilo. FOTO: Luiz Silveira/Ag.CNJ
O juizado recebe causas de até 40 salários mínimos, sendo dispensada a presença de advogado para aquelas de até 20 salários mínimos. Ali podem ser resolvidas ações de cobrança, despejos de inquilino para uso do imóvel pelo proprietário, acidentes de trânsito, contratos, problemas com bancos privados, relação de consumo, indenização por inclusão indevida no SPC e Serasa, entre outros casos de ordem material ou moral.
O Juizado Itinerante do TJDFT completou, em
abril, 19 anos de funcionamento. Durante esse período de atuação, 32.491
processos físicos tramitaram no juizado e, após a implantação do Processo
Judicial Eletrônico (PJe), em novembro de 2016, foram distribuídos 2.005
processos eletrônicos, dos quais 1.587 apenas em 2017.
Os dados se referem, contudo, a três frentes de
trabalho: unidade móvel (o ônibus), o núcleo de causas de trânsito e o posto
avançado no aeroporto de Brasília. Nessas três frentes, mais de seis mil pessoas
foram atendidas em 2017. Segundo Rubenice Costa, Diretora do Juizado Itinerante,
“a ideia é apresentar uma solução rápida e fazer com que o Judiciário alcance o
máximo de pessoas”.
Justiça rápida e mais flexível
Dentro do ônibus, as tentativas de conciliação ocorrem no pequeno espaço que, em um ônibus comum, seria destinado aos assentos dos passageiros. Na parte da frente, colada à cabine do motorista, está a juíza substituta Júnia de Souza Antunes, que acompanha as discussões que acontecem nas mesas e, quando necessário, faz intervenções na tentativa de facilitar o acordo.
No caso do estudante Delleon, não foi necessário
intervenção da juíza e o acordo ocorreu facilmente. O próprio jovem informou que
a empresa já havia depositado o valor do tênis (o conciliador elogiou a
honestidade de Delleon) e que havia gasto R$ 46 em ligações internacionais na
tentativa de resolver o problema. Sthepani Lopes, preposta da NetShoes, empresa
que vendeu os tênis, propôs o pagamento de R$ 800,00 a título de indenização,
valor que deverá ser depositado em até 20 dias.
O acordo é aceito e Delleon desce do ônibus
satisfeito: “Foi uma experiência muito boa e bem mais simples. O fórum ficaria
longe para mim e eu teria que gastar o dinheiro da passagem. Agora vou conseguir
comprar outra coisa para finalmente presentear a minha mãe”.
Delleon fechou acordo com a NetShoes e avaliou o serviço de conciliação como rápido e simples. FOTO: Luiz Silveira/Ag.CNJ
De acordo com o conciliador, um processo normal
no juizado demoraria, em média, seis meses, e provavelmente não seria recebido o
valor relativo à indenização, já que isso não estava na reclamação inicial. “O
acordo pela conciliação é bem mais flexível”, disse Samuel.
A população costuma se sentir tão à vontade no
local que não raro há aqueles que não estão ali pela primeira vez. É o caso de
Sandra Maria Martins de Souza, que já teve um conflito resolvido dentro do
ônibus e estava ali novamente no dia 25 de setembro – desta vez para uma
tentativa de conciliação com a empresa de telefonia Oi. Após o não pagamento de
uma das faturas, sua linha foi bloqueada. “Eles mandam a conta por e-mail, que
eu não tenho, preciso pedir para que mandem no e-mail de outra pessoa, que nem
sempre me avisa a tempo. Quero que me enviem pelo correio, não sou obrigada a
ver pela internet”, diz. Para acabar com a controvérsia, a empresa propôs o
desbloqueio imediato da linha e cancelou a fatura em aberto, abolindo o débito.
Além disso, comprometeu-se a enviar as próximas contas pelo correio. “Fiquei
muito satisfeita, sou sempre muito bem atendida aqui, é um serviço excelente que
espero que seja mantido. Adoro todo mundo dentro desse ônibus”, disse
Sandra.
A consumidora Sandra Maria Martins de Souza e a preposta da Oi Luciana Borges chegaram a acordo sobre débito em conta telefônica. FOTO: Luiz Silveira/Ag.CNJ
Para Luciana Borges, preposta da Oi, foi a primeira experiência no ônibus itinerante. “Achei muito mais fácil e ágil, melhor do que entrar na Justiça”, disse. Nem sempre, contudo, o acordo é possível. Nestes casos, o conflito segue para decisão da juíza, que costuma ocorrer dentro de um mês.
Foi o caso de Anthony Andrew da Silva, jovem cuja
bicicleta foi furtada dentro de um condomínio no Riacho Fundo. Andrew tentava
fazer com que o condomínio lhe ressarcisse, ao menos, o valor da bicicleta, R$
3.500. Ele trouxe as filmagens das câmaras internas do condomínio que mostram o
ladrão entrando pela portaria, aproveitando o momento em que o porteiro estava
atento a um ônibus escolar que desembarcava crianças. “Se o ladrão tivesse
pulado o muro, eu nem pediria, mas como ele entrou pela portaria, sem ser
identificado, eu acho justo”, argumentava Anthony. O representante do
condomínio, porém, dizia não estar autorizado a fazer acordo porque o pagamento
referente a estas situações não está previsto nas normas do prédio.
Na mesa ao lado, uma consumidora sai visivelmente
enfurecida. A empresa de telefonia Tim recusou fazer acordo na discussão de uma
fatura de R$ 86. À preposta da empresa, o conciliador do TJDFT questionou mais
de uma vez: “A empresa vai entrar em uma disputa judicial por causa deste
valor?”. Mas ouviu apenas que a funcionária não estava autorizada a fazer
acordo.
Luiza Fariello
Agência CNJ de Notícias
Agência CNJ de Notícias
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