Agricultura na guerra e a sabedoria do chinês e do caipira

João Guilherme Sabino Ometto, engenheiro (Escola de Engenharia de São Carlos - EESC/USP), é presidente do Conselho de Administração da São Martinho e membro da Academia Nacional de Agricultura



Dentre os flagelos das guerras, a fome é um dos mais cruéis, sendo às vezes tão letal quanto as bombas e ataques que tiram a vida de soldados e também de civis inocentes, inclusive crianças e idosos. Em meio ao belicismo que, infelizmente, continua semeando violência e medo em várias regiões do Planeta, é muito louvável a iniciativa da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), que acaba de ser anunciada, de solicitar 1,06 bilhão de dólares a doadores internacionais, para restaurar a produção de alimentos em áreas devastadas por conflitos e, em alguns casos, atingidas por cataclismos.

A ajuda contemplará 30 milhões de pessoas, em 26 países, dentre os quais a Síria, Iêmen, Sudão do Sul, República Democrática do Congo e Somália. Algo que me despertou a atenção ao tomar conhecimento desse projeto é o fato de transcender ao caráter beneficente, considerando que não prevê apenas a doação direta de comida, sempre importante em zonas de guerra, mas sim a distribuição de sementes, utensílios e outros recursos necessários ao cultivo de vegetais e à pecuária, bem como a prestação de serviços de saúde veterinária para criadores de gado. Será ministrada, ainda, capacitação aos produtores, para que melhorem as técnicas de cultivo e os processos relativos à gestão da água e da terra.

Mais do que o responsável socorro emergencial às populações em risco de inanição, a FAO está viabilizando a produção de alimentos e a agricultura, ação decisiva e sustentável para evitar-se a morte por causa da fome severa, reforçar a resiliência das pessoas ameaçadas por conflitos e, em especial, cultivar a esperança. Como integrante de família de agricultores e, por isso, sempre sintonizado com a alma dos homens do campo, penso que há outro ganho significativo nessa iniciativa: a recuperação do sentimento de dignidade laboral dos produtores naquilo que eles mais gostam de fazer, ou seja, fecundar a terra, gerando alimentos, renda e o sustento de muita gente. Esta, acreditem, é uma linguagem universal. Nada é mais premente num mundo no qual se agravam as necessidades humanitárias, em consequência da intensificação da violência e conflitos. O último relatório da própria FAO sobre segurança alimentar revela que a fome voltou a crescer em todo o Planeta, após décadas de quedas contínuas. Hoje, a escassez de comida aflige 815 milhões de pessoas.

Ao capacitar os produtores, a agência da ONU resgata o célebre ditado chinês, atribuído a Confúcio: "Dê um peixe a um homem faminto, e você o alimentará por um dia; ensine-o a pescar, e o alimentará por toda a vida". E, ao também lhes fornecer insumos e utensílios agrícolas, faz-me lembrar, com saudade, a sabedoria ingênua dos amigos pescadores de final de semana de minha adolescência no interior paulista: "Não se pesca sem traia" (tralha, no caso, é o conjunto de peças como vara, linha, anzol, isca e samburá...).

O mundo precisa da multiplicação de ações firmes e eficazes para o cultivo da paz, mais pureza de propósitos e o empoderamento das instituições, mulheres e homens de boa vontade.

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