Governo na quarta marcha

Gaudêncio Torquato, jornalista, professor titular da USP é consultor
político e de comunicação. Twitter: @gaudtorquato




O ciclo de vida de uma administração – federal, estadual ou municipal – se assemelha a um carro de quatro marchas. Cada ano correspon­de a uma marcha. A primeira dá a partida do carro. Que vai pegando velocidade nos primeiros meses, quando o governante examina as condições dos espaços, fazendo o mesmo diagnóstico do motorista, testando o ambiente, olhando para a frente e para os lados. Na segunda marcha, o carro avança com mais velocidade, correspondendo ao se­gundo ano da administração, quando os governantes praticamente começam a governar, depois de sanear (???) a estrutura e colocar a casa em ordem. A terceira marcha é a da velocidade mais alta, com estabilidade e o carro avançando bem. A administração, de modo equivalente, usa esse tempo para abrir uma bateria de obras. Na quarta marcha, o carro, muito veloz, faz ul­trapassagens, queima etapas, faz tudo que for possível para chegar ao final do caminho.

A cada etapa, o administrador tenta pincelar sua imagem. Ao sentar na cadeira, a imagem mais parece a do rapaz que comprou seu primeiro carro. Pensa no que poderá realizar, escolhe a equipe e verifica como deverá usar o poder da caneta. Sabe que poderá usar a força do cargo, testa a capacidade de mandar, solicitar, nomear, "desnomear". O governante assume uma feição de magistrado, ouvindo muito, aceitando conselhos, reservando para si as decisões finais.

A segunda imagem mais parece a do despachante. Passa a atender um sem número de pessoas por dia, assina pilhas de papéis, enquanto a burocracia começa a prendê-lo com reuniões, articulações, contatos com as organizações da sociedade. A terceira imagem é a do artesão-obreiro. Cansado da rotina dos papéis, é aconselhado a ouvir mais a população, visitar canteiros de obras, despachar nas ruas.

A quarta e última imagem da administração se assemelha a de César, imperador romano. Queixo apontando para a testa do interlocutor, rodeado de áulicos, que lhe fazem elogios e dão versões sempre positivas de sua administração, o governante ordena maior volume de propaganda na mídia e expansão da articulação política. Essa é a fase áulica e festiva, quando os encontros sociais invadem noites, sob a conversa frouxa de grupos mais chegados. O governante capricha na articula­ção política com o objetivo de aplainar o caminho com vistas à reeleição.

As imagens dos mandatários passam a expressar o próprio ciclo da vida da administração. Da simplicidade da primeira fase, a uma certa arrogância da última fase, elas retratam a incultura política do País. De inquilinos dos espaços públicos, acabam sendo vistos como proprietários de feu­dos. A falta de preparo torna o governante refém de pequenos grupos que se formam nos vãos do poder. Ocorrem partilhas de áreas, com distribuição de cargos, benesses e posições. Os programas de assistência social se transformam em moeda de troca do fisiologismo. "Aos amigos, tudo, aos inimigos, os rigores da administra­ção". Mas o verniz cosmético não consegue limpar os entulhos que se acumulam nas vias das administrações em tempos de crise.

Esse é o dilema nesse final de outubro. Quase nenhum governante consegue mostrar administração aprovada com louvor pelas populações. A parte mais sensível do corpo - o estômago – é frontalmente atingida quando salários atrasam. Lembram-se da equação BO+BA+CO+CA (Bolso cheio, Barriga satisfeita, Coração agradecido, Cabeça aprovando o governante)? Pois bem, a recíproca é verdadeira.

A campanha eleitoral de 2018 estará, portanto, sujeita às intempéries, esse monte de desajustes, inação, serviços desqualificados, salários atrasados etc. Esses meses de final de semestre – que se aproximam da quarta marcha dos governos - serão importantes para tomar o pulso das comunidades. Se a temperatura ultrapassar os 40 graus, será difícil baixar a febre. Até porque não haverá grana para comprar os remédios.


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