Nova democracia

Maurício Wosniacki Serenato é advogado graduado pela Universidade Federal do Paraná, membro do Núcleo de Pesquisa Constitucionalismo e Democracia da UFPR.

 
"Nós, povo da Islândia, queremos criar uma sociedade justa que ofereça as mesmas oportunidades a todos. Nossas diferentes origens são uma riqueza comum e, juntos, somos responsáveis pela herança de gerações". Este é o início da nova Constituição da Islândia, redigida a partir de um projeto elaborado pelo povo.

Antes de 2008, o pequeno país nórdico oferecia bem-estar e acesso a bons serviços básicos a toda sua população. Mas optou por uma política econômica liberal, privatizando empresas estatais e seus três bancos. Nas mãos de particulares, estes bancos expandiram suas operações financeiras. Em 15 de setembro de 2008, o banco Lehman Brothers, com sede em Nova York, quebrou e causou uma crise mundial.

A Islândia foi atingida em cheio pelo colapso econômico, social e político. Seus bancos ficaram insolventes, os banqueiros perderam 100 bilhões de dólares, os islandeses perderam suas poupanças, o desemprego triplicou, o país entrou em recessão.

No final de 2008, começaram manifestações populares contra o governo. Não demorou, o governo caiu. O novo governo eleito decepcionou: propôs pagar dívidas bancárias a credores internacionais a partir de 2017. A população protestou. Num referendo popular, 93% dos eleitores foram contra o pagamento desses credores.

Assim, a Islândia rompeu com os modelos tradicionais de gestão de crise. Deixou que seus bancos privados quebrassem, deu calote nos credores internacionais, puniu responsáveis pela crise, reestatizou empresas e bancos.

Mas o povo islandês decidiu melhorar a representação política e a participação do povo na política. Era preciso redigir uma nova Constituição, fora dos modelos tradicionais do Parlamento Islandês. O governo convocou uma Assembleia Nacional Constituinte. No entanto, quem decidiu os moldes da Assembleia foi o povo islandês.

Foram sorteadas 950 pessoas entre o eleitorado do país. Entre 522 delas, que não pertenciam a nenhum partido político, foram eleitas 25 pessoas como constituintes. As reuniões destes constituintes passaram a ser transmitidas on-line e a população podia enviar sugestões pela internet. Mais de 3.500 sugestões foram recebidas, analisadas e muitas delas incorporadas ao projeto constitucional. Rascunhos do projeto constitucional eram postados diariamente na internet para que a população opinasse e revisasse.

O projeto da Constituição Islandesa foi aprovado num referendo popular. Então, foi remetido ao Parlamento. O resultado final foi uma Constituição que aumentou a participação direta da população na política, deu mais transparência às atividades públicas, melhorou o controle social sobre os atos públicos, assegurou independência aos três poderes, consolidou direitos humanos e ambientais.

A Islândia superou a crise, retomou suas qualidades na economia e no campo social. Mais do que isso, inaugurou um novo tempo na construção da democracia. Agora, o poder para elaborar uma constituição está na participação do povo e a democracia é uma realização de todos. Por fim, a Islândia mostrou que há soluções democráticas melhores para as crises e para encontrá-las a participação do povo é imprescindível.

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