Democracia sem partidos


Roberto Andrés é arquiteto, mestre em teoria da arquitetura, professor da UFMG e editor da revista PISEAGRAMA em Belo Horizonte MG.

 
Brasil, junho de 2013. Grandes manifestações de rua desmontaram a fantasia de que o país avançava firme com base no consumo interno e nas exportações. O estopim foi o aumento da tarifa de ônibus em São Paulo. A insatisfação do povo se voltou contra os gastos bilionários da Copa do Mundo de Futebol e a má qualidade dos serviços públicos.

Os gritos de "o povo unido não precisa de partido" e as repulsas por bandeiras partidárias se repetiram nas passeatas. A aspiração geral por uma "democracia real" ficou clara. Consultas de opinião à população registraram que 61% não confiavam nos partidos políticos e 45% aprovavam a idéia de uma "democracia sem partidos".

Os partidos tiveram origem na Itália medieval, onde Gibelinos e Guelfos disputavam controle territorial. Foi na Inglaterra, no século 17, que surgiram os partidos políticos como os conhecemos hoje, com o forte propósito de manter o poder nas mãos de elites. No Brasil, o primeiro partido visava a Proclamação da República.

Ao longo da história, críticas ásperas surgiram contra os partidos políticos: eles se alimentam de recursos oficiais; formam políticos profissionais; objetivam ocupar cargos de poder; estimulam paixões coletivas; mantêm seus afiliados sob pressão; tem obsessão pelo próprio crescimento; colocam seus interesses acima da verdade, da justiça e do bem público; suas ideologias não os impedem de oprimir o povo; polarizam os debates e esvaziam os conteúdos dos assuntos; tornam-se burocratizados.

Em maio de 2015, na Espanha, candidaturas cidadãs venceram eleições em cidades como Barcelona, Madri, Valência e Zaragoza. Pessoas sem partido político ocuparam cargos de prefeito. Um mês depois, no México, um rapaz de 26 anos – Pedro Kumamoto – se tornou o primeiro deputado eleito sem partido, com um orçamento modesto. Tanto na Espanha como no México, o direito à candidatura independente foi conquistado pelo povo. No Brasil a candidatura aos cargos eletivos é monopólio dos partidos.

A política representativa partidária parece mesmo ter chegado ao esgotamento. Votamos, mas sentimos que isso pouco reflete nos rumos da coletividade. Nestes tempos de cidadania ampliada por transformações sociais e tecnológicas, são necessários e possíveis novos modelos de organização política. Os métodos democráticos da Grécia Antiga – berço da democracia – nada mais têm a ver com as repúblicas atuais.

Em Madri, a nova prefeitura colocou na Internet uma plataforma para decidir sobre a aplicação de 60 milhões de euros. Mais de 5 mil propostas recebidas foram votadas por 45 mil pessoas. Obtiveram aprovação: ampliação da coleta seletiva de lixo, criação de casas de abrigo para mulheres, plano de reflorestamento urbano, instalação de energia solar em edifícios públicos, mais banheiros públicos, estacionamentos de bicicletas, hortas urbanas.

Enquanto acontecem experiências bem sucedidas, estudiosos sociais propõem uma combinação de votos diretos em representantes e votos diretos nas decisões oficiais. O sistema pressupõe o uso de tecnologias de informação e comunicação.

É oportuno imaginar um sistema de democracia que inclua muitas formas e rotinas de atuação política. As pessoas devem ficar mais próximas das decisões; os maus representantes devem perder a importância; os políticos profissionais devem perder espaço para os cidadãos engajados; os partidos políticos devem ser desnecessários.

Fonte: Revista PISEAGRAMA, número 09, Belo Horizonte MG, 2016.


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