O Estado de São Paulo é o primeiro do país a incluir no Registro Digital de Ocorrências (RDO) policial um campo para identificar se a vítima tem algum tipo de deficiência. Entre junho e agosto de 2014 foram registradas em todo o estado 4.452 ocorrências envolvendo 4.502 vítimas com deficiência. Este número, obtido em apenas três meses, corresponde à metade das 8 mil denúncias registradas pelo Disque 100 entre os anos de 2011 e meados de 2014.
A maior parte das ocorrências do período considerado – cerca de 26% – foi registrada na capital. Os municípios da Grande São Paulo são responsáveis por aproximadamente 17% dos casos registrados. No interior, surgem com destaque Ribeirão Preto (2,5%) e Campinas (2%)
Tipos de crime X tipos de deficiência
No caso da deficiência física, chama a atenção a proporção de crimes contra a dignidade sexual, menor do que a verificada para o total das vítimas e para os demais tipos de deficiência. Já os crimes contra a pessoa aparecem em proporção levemente superior à verificada para a totalidade das vítimas.
Perfil das vítimas
Quanto ao perfil das vítimas, 65% são adultos acima de 40 anos. O grau de instrução não aparece como um diferencial, pois 52,2% das vítimas tinham 1º ou 2º grau completo, 6,3% tinham ensino superior completo e só 9,4% eram analfabetos.
Subnotificação
A ideia de inserir um campo específico nos boletins de ocorrência integra a agenda do Programa Estadual de Prevenção e Combate à Violência contra as Pessoas com Deficiência e foi considerada estratégica para conhecer o real tamanho do problema e estabelecer ações de enfrentamento.
Seminário
Além das estatísticas policiais, o Seminário Estadual: Enfrentamento da Violência contra Pessoas com Deficiência vai abordar aspectos não criminais da violência, como a necessidade de capacitar os servidores públicos para identificar e encaminhar os casos; a importância de oferecer apoio ao cuidador, evitando que o estresse desencadeie episódios de violência; e a urgência de se investir em programas de moradia que atendam pessoas em situação de vulnerabilidade social ou rompimento dos laços familiares.
As estatísticas foram produzidas pela equipe da 1ª Delegacia de Polícia da Pessoa com Deficiência e serão apresentadas na abertura do Seminário Estadual: Enfrentamento da Violência contra Pessoas com Deficiência, dias 27 e 28 de novembro, no auditório da Secretaria de Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência, no Memorial da América Latina – Portão 10.
A distribuição das vítimas segundo o tipo de deficiência revelou que 46,5% dos casos envolviam vítimas com deficiência física, 19,1% deficiência intelectual, 15% visual, 12,6% auditiva e 6,6% deficiência múltipla.
Chama atenção o fato de a violência aparentemente não acompanhar a distribuição demográfica desse grupo social. Afinal, segundo os dados do IBGE, o tipo mais comum de deficiência em São Paulo (59,7%) é a visual. Além disso, as pessoas com deficiência intelectual aparecem em proporção menor nos dados do Censo 2010 (4,1%), mas surgem como o segundo grupo mais presente nas informações dos RDOs.
Entre os 4.452 registros, 33,7% referem-se a crimes contra a pessoa; 31% a crimes contra o patrimônio; 5% a violência doméstica; 3% a contravenções e 2% a crimes contra a dignidade sexual. Se consideradas apenas as rubricas classificadas como de natureza criminal, as de maior incidência são ameaça, furto, roubo, lesão corporal, injúria, violência doméstica e estelionato.
Na categoria de crimes contra a pessoa, a maior incidência foi de casos de crimes contra a liberdade individual (39,3%), lesões corporais (29.8%) e crimes contra a honra (24,3%). Estes números apresentam padrão diverso dos dados gerais da população publicados pela SSP.
Os crimes contra o patrimônio correspondem à maior parte dos delitos praticados contra a população como um todo, enquanto no recorte da deficiência prevalecem os crimes contra a pessoa. Já os crimes contra a dignidade sexual, que representam menos de 1% dos delitos contabilizados pela SSP no segundo trimestre de 2014, na amostra aqui analisada correspondem a 2,07% dos registros.
Crimes contra o patrimônio – tais como furto, roubo e apropriação indébita – afetam mais as vítimas com deficiência auditiva (42%) do que a média do universo aqui considerado, em que estes crimes correspondem a pouco mais de 31% do total. Proporcionalmente, as pessoas com deficiência auditiva também são mais alvo de crimes de trânsito (4,7%) do que a média geral.
Entre as vítimas com deficiência intelectual, destaca-se a proporção de crimes contra a dignidade sexual (8%), quando na média de todas as deficiências manteve-se em 2,07%. Os registros de ocorrências não criminais também aparecem aqui em proporção maior do que nos registros referentes a todas as deficiências.
Verificou-se ainda que a proporção de crimes contra o patrimônio cometidos contra vítimas com deficiência visual (40,7%) é maior do que a do universo analisado do período (31,02%).
No novo RDO da polícia de São Paulo, a pessoa que presta queixa informa se tem alguma deficiência e de qual tipo, sem necessidade de qualquer comprovação no momento. Nem todos os crimes registrados têm relação direta com a deficiência, mas essas informações serão úteis sobretudo para avaliar vulnerabilidades e traçar políticas de prevenção.
É importante ressaltar que, apesar da importância da implantação do campo específico nos RDOs do estado de São Paulo, esses dados não representam a totalidade dos casos de violência contra pessoa com deficiência, já que em muitos casos a vítima não consegue reportar as agressões sofridas, seja por dificuldades de locomoção e comunicação – particularmente pessoas com deficiência auditiva ou intelectual – ou por medo, devido à proximidade ou até dependência do agressor, o que implica em uma subnotificação dos casos.
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