A dois passos do paraíso?

Por *Munique da Silva Moreira dos Santos e *Marçal Rogério Rizzo

Terminou o processo eleitoral e Francisco Everardo Oliveira Silva ainda é o nome mais lembrado no cenário político brasileiro. Aliás, ele e sua campanha foram as grandes vedetes das últimas eleições.

Conhecido popularmente por “Tiririca”, trabalha em uma grande rede de televisão como palhaço e candidatou-se a deputado federal. Sua campanha eleitoral foi a mais emblemática, debochada e coloquial. Em poucas palavras, falava aos eleitores de forma irônica e engraçada. Muitas patacoadas! Dentre elas, destacava que não sabia nem mesmo a função de um deputado federal, mas que, se os eleitores votassem nele, contaria a qual seria essa função. Moral da história: como tudo no Brasil da política não é sério, conquistou o eleitorado, que está descrente e cansado dos políticos tradicionais. Acabou sendo o candidato mais votado do Estado de São Paulo e do Brasil. Isso mesmo: foi o deputado federal mais votado pelos paulistas. Ironicamente, tivemos alguns moradores do Estado de São Paulo que, movidos por ignorância e preconceito, postaram na internet mensagens xenofóbicas contra os nordestinos, afirmando que eles não sabem votar. Aliás, “bota” ignorância nisso: Tiririca é cearense, mas é residente e domiciliado em São Paulo!...
Essa poderia ter sido a oportunidade para o palhaço ingressar no “paraíso”, no entanto viveu o drama de comprovar sua alfabetização, o que o tornaria apto (ou inapto) para assumir o referido “cargo” na Câmara dos Deputados.
Ao apresentar sua candidatura, Tiririca não possuía certificados escolares e, portanto, atestou, por meio de uma declaração, ser alfabetizado. Não obstante, provas periciais comprovaram uma discrepância entre as grafias. Isso fez que a autoria e autenticidade do documento fossem contestadas. Não bastasse, houve denúncias ao Ministério Público de que Tiririca não sabia ler nem escrever.
No Brasil, a terra do futebol e carnaval, tudo se torna espetáculo e esse é mais um exemplo disso. A raiz do problema foi esquecida, e a mídia vem usando e abusando do caso polêmico. A grande questão ficou centrada em se Tiririca é alfabetizado, no entanto, em nosso humilde entendimento, isso é o que menos importa. O mais preocupante é a alegada falsificação da declaração, que terá sido feita de próprio punho e assinada. Se Tiririca realmente fez essa falsificação antes de ingressar no paraíso, imaginem depois da convivência com os demais deputados, que já praticam ações piores que essa e acham normal fazê-lo.
Agora, para engrossar a polêmica no país do espetáculo, a Folha de São Paulo (edição de 18-11-2010) informou que Corregedoria do Ministério Público de São Paulo abriu um processo para apurar possíveis excessos do Promotor de Justiça Maurício Antonio Lopes, que vem conduzindo o caso contra Tiririca. Essa apuração é fruto de uma representação do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) feito pelo conselheiro Bruno Dantas, que acusa o Promotor de Justiça de ter feito manifestações públicas inadequadas, exageradas e preconceituosas contra Tiririca. Na visão do conselheiro do CNMP, o Promotor Maurício Lopes “optou pela desmoralização pública do candidato eleito, em vez de pautar sua atuação na técnica processual, como faz a maioria dos membros do Ministério Público que não depende dos holofotes”.
O artigo 14 da Constituição Federal é muito claro: “São inelegíveis, os inalistáveis e os analfabetos”. Dessa forma, por que não aplicar obrigatoriamente uma prova presencial para todos os candidatos antes mesmo do registro de suas candidaturas? A velha máxima do “é melhor prevenir do que remediar” parece que foi esquecida. Agora por que isso tudo não foi investigado antes das eleições?
Talvez fosse necessário o Ministério Público apurar a quantas anda a qualidade da educação pública. Isso em todo o Brasil. Nota-se que se está cada vez mais distante do paraíso. Será que os membros do MP conhecem as escolas públicas, o sistema de progressão automática, as condições de trabalho dos professores e funcionários, a remuneração dos professores, a qualidade do transporte escolar e da merenda?
Segundo Luis Eduardo Assis, em seu artigo publicado no Valor Econômico (edição de 10-11-2010): “Temos hoje 28,2 milhões de brasileiros com idade superior a 25 anos que tiveram menos de três anos de instrução formal. Das pessoas com mais de 25 anos, 12% são analfabetas […]. A taxa de analfabetismo funcional alcança 21,7% para pessoas com mais de 15 anos. De acordo com o Banco Mundial, nossa taxa de analfabetismo é maior que na Colômbia ou mesmo na Bolívia , países que não adotamos usualmente como referência”.
Até o presidente Lula defendeu Tiririca. Seria mais prudente que defendesse a educação e o combate ao analfabetismo. *Munique da Silva Moreira dos Santos é aluna do 2º semestre do curso de Direito da UFMS de Três Lagoas. *Marçal Rogério Rizzo é economista e professor da UFMS. Mestre em Economia e Doutor em Geografia.


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