Ufa, a guerra acabou. Acabou?

*Gaudêncio Torquato

Após refregas, umas mais leves, outras muito violentas, chega-se ao fim de uma campanha eleitoral que resvalou pelo terreno do despudor. E, ao contrário do que reza o ditado, entre mortos e feridos, nenhum se salvou. Candidatos, coligações, debates, propaganda, pesquisas, redes sociais e até a figura do presidente da República saíram com a imagem chamuscada. Ao argumento de que, mais uma vez, nossas instituições denotaram plena vitalidade, expõe-se um sentimento de que limites foram ultrapassados no uso de direitos e garantias, deixando ver ataques que ultrapassaram a linha do bom senso, linguagem rústica e incompatível com o respeito entre pares, e, como fecho da operação que margeou o pedregoso terreno da irresponsabilidade, o desmonte da liturgia que emoldura o exercício do poder. Se há uma lição a extrair é a de que o ritual de campanha política andou para trás. O pleito não conseguiu diminuir o fosso entre a política e a sociedade.

A cadeia de elementos nocivos que se formou ao longo da campanha é a sombra da velha política. A decrepitude dos costumes reflete-se no espelho de contrafações: o personalismo dos candidatos amortecendo programas e ideias; agentes públicos usando as estruturas do Estado; instrumentos e processos, atualizados pela legislação, sendo usados de modo enviesado. Não faltou verbo no palco. Nem verbas. De um lado e de outro, ouviram-se falas para os setores que, tradicionalmente, ganham refrãos e promessas. Mas o embate entre candidatos foi tão áspero que pouco se conserva de um acervo substantivo. O descaso com escopos pode ser verificado ainda pelo fato de que, apenas na reta final, programas foram expostos ao público. Foi o que ocorreu com os 13 compromissos da candidata Dilma. Os tucanos, nem um mero esboço apresentaram, contentando-se com ideias esparsas de Serra.
Por falta de clareza e objetividade a respeito de eixos centrais - concepção de Estado, gastos públicos, desenvolvimento regional, política macroeconômica, programas de bem-estar social, dentre outros -, retalhos, versões e contraversões incendiaram o ambiente. A maneira rude com que foi exposto o tema da privatização é exemplo. A pulverização de falas e o embate acalorado - incluindo o viés religioso - contribuíram para obnubilar questões importantes. Já a formatação dos debates televisivos incrementou a carga de desinformação. O que mais se viu na TV foram perguntas não respondidas, respostas não solicitadas, atendendo à estratégia de fustigação recíproca alinhavada por marqueteiros. Os debates, de tão previsíveis e repetitivos, cansaram. Por que não se escolheram pautas específicas para cada encontro? Cinco sessões, cobertas por todas as emissoras em cadeia, sob o patrocínio de uma por vez, e em programação definida por sorteio, poderiam aprofundar as prioridades nacionais. Induzidos a discorrer exclusivamente sobre uma agenda, os candidatos propiciariam aos eleitores avaliação mais acurada de propostas. O adjetivo cederia lugar ao substantivo.*Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP e consultor político e de comunicação.



Comentários

  1. Tenho visto muitas opiniões como essa, quase todas com grande propriedade nos argumentos, como é o caso em comento, mas, porque será que ninguém aponta o fato de ter sido a oposição a ditar essa tônica, fazendo com que a campnha de Dilma fosse obrigada a combater na mesma moeda para não perder a eleição?

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