O Brasil não pode ter duas medicinas: uma para os ricos e outra com poucos recursos

 Em entrevista exclusiva, Antônio José Gonçalves (foto), 2° vice-presidente da Associação Paulista de Medicina, analisa os percalços e perspectivas da saúde no estado, destacando ainda a importância da qualificação dos médicos


Os desafios do Brasil para qualificar a saúde são incontáveis, exigindo respostas eficientes e eficazes, pontua o vice-presidente da Associação Paulista de Medicina (APM) , Antônio José Gonçalves. Nessa entrevista, ele analisa o sistema do ponto de vista macro, além de revelar iniciativas a serem implementadas na APM para atender às demandas de médicos e pacientes. Fala também de planos estratégicos para o futuro breve, entre os quais a capacitação em telemedicina.

O trabalho desenvolvido em anos recentes, a propósito, visa a uma Associação Paulista de Medicina cada vez mais robusta, destaca Antônio José Gonçalves. Ele enfatiza ainda que a APM utiliza um relevante diferencial - sua capilaridade pelo Estado - para zelar pelo bem-estar dos paulistas.

São 14 distritais compostas por mais de 70 regionais, núcleos ativos, inúmeros Departamentos e Comitês Científicos atuando de forma coesa para a promoção da saúde aos cidadãos, para o desenvolvimento cientítico continuado aos associados e por valorização dos médicos e da boa Medicina.

Em sua visão, quais os principais desafios da Saúde no Estado de São Paulo e como a APM pode ajudar os médicos na busca pela melhoria do acesso da população aos tratamentos?

O primeiro desafio que enfrentamos é o de não ter duas medicinas no país e no estado. Hoje há a medicina pública, a do SUS, que tem um orçamento de 220 bilhões de reais para 170, 180 milhões de pessoas; e há a saúde suplementar, com mais ou menos o mesmo orçamento, talvez um pouco menos, mas por volta de 200 bilhões de reais para atender a 35 ou 40 milhões de pessoas. Isso gera uma diferença muito grande na assistência. Quem tem acesso à saúde privada consegue ser atendido com relativa rapidez (o que vem piorando nos últimos anos), mas o quadro é mais grave para quem acessa apenas o SUS. As filas são intermináveis, apesar de todos os esforços.

O segundo desafio diz respeito à população de rua, ao abuso de drogas, um problema seríssimo. De alguma maneira, precisamos elaborar um projeto junto com o governo para minimizar o problema.

Um interessante aspecto no qual a APM pode ajudar a qualificar as políticas publicas é oferecendo sua infra-estrutura ao Estado para facilitar o acesso da população, além de treinar médicos em programas das doenças mais comuns em parceria com o Governo. Temos muito a oferecer.

Sabemos que a atenção básica é fundamental para o bom funcionamento do SUS. Que projetos ou programas a APM desenvolve para qualificação dos médicos que atuam nessa frente?

Temos uma série de projetos para qualificar o médico na atenção básica. Nos anos recém-passados, a despeito da pandemia, conseguimos criar um instituto de ensino superior da APM. Isso nos proporciona uma sólida infraestrutura para organizar os cursos de capacitação que quisermos.

Também fazemos webinares semanais dos mais diferentes assuntos, incluindo a atenção basica. Um médico generalista bem formado é fundamental na atenção básica.

Há uma importante parceria firmada com a Secretaria de Saúde, e a pedido dela estamos analisando o problema da hipertensão arterial e do diabetes. São desafios relevantes.

O Governo fornece todos os medicamentos para tratar essas duas doenças, e a ideia é integrar os mais diferentes rincões do estado às 75 regionais da APM, às regiões de assistência à saúde da Secretaria e às faculdades de medicina.

Queremos estabelecer uma parceria do Governo Estadual com a Associação e a Academia de Medicina. Temos uma estrutura fantástica, que deve ser usada ajudar a fazer saúde. A APM deve se envolver mais com esse novo projeto.

P – Quais são os principais pilares da gestão de hoje da APM?

Antônio José Gonçalves – Os pilares da gestão são descritos no artigo segundo do nosso estatuto: uma série de atividades que vão desde promover a saúde, o desenvolvimento científico e técnico da medicina, até prestar serviços aos associados. Para que a APM seja uma entidade forte, consiga se sustentar e manter a suas 70 regionais, precisamos fazer uma ótima gestão administrativa e financeira, é claro; mas nossa prioridade é defender a boa medicina, qualificar o médico e melhorar a assistência à população.

P – Como a APM atua para estimular a boa medicina e a qualificação da assistência em saúde?

Antônio José Gonçalves – Aqui falamos de uma das funções mais importantes da APM porque são a expressão dos nossos pilares de propósitos – a defesa do bom exercicio profissional e da boa saùde à população.

A boa medicina e a boa saúde da população, aliás, passam por reciclagem, cursos e pela valorização profissional. Para isso existe a nossa Defesa Profissional, que é extremamente ativa. Há também os serviços advocatícios que cobrem questões de erro médico, desde a denúncia até a finalização do processo, sem custo algum para o associado.

Não tenho dúvidas: a APM é o que é porque presta um excelente serviço, se preocupa com a saúde das pessoas e com a formação dos médicos.

P – Que serviços são oferecidos pela APM aos associados e quais outras iniciativas devem ser implementadas na atual gestão?

Antônio José Gonçalves – A APM fornece uma série de serviços aos associados, um clube de benefícios,  com ofertas de hotéis, restaurantes, descontos em lojas e serviços, em concessionarias de automóveis etc.

Há quatro anos construímos com recursos próprios um prédio residencial de114  flats para serem alugados e que facilita o deslocamento dos médicos que querem se atualizar em São Paulo. Os preços são bem inferiores aos do mercado, com uma ótima estrutura e localização central. Já temos 85% de ocupação.

Isso, além de melhorar nossa receita, também nos ajuda em termos de infraestrutura para eventos. A propósito, eventos que são feitos na APM contam com um moderníssimo auditório de 200 lugares, aproximadamente; com a possibilidade de uso de outro auditório, com mais 120 lugares. Estão à disposição das sociedades de especialidades mediante taxas competitivas ao nível de mercado. Nesta gestão deveremos implementar uma parceria maior ainda com as sociedades de especialidades.

P – Quais os principais eventos organizados pela Associação?

Antônio José Gonçalves – O Departamento de Eventos da APM cuida de tudo. Fazemos webinars semanais sobre temas relevantes, discutindo programas de residência médica, escolas médicas, assuntos técnicos e assuntos ligados a doenças mais comuns. Organizamos um evento pujante, o Global Summit, que se encaminha para o seu quarto ano; é um dos mais conceituados em tecnologia médica e em saúde da América Latina. O Summit mostra-se cada vez mais alvissareiro, estamos sempre em busca de parceiros. Também estamos fazendo reuniões com as sociedades de especialidades, procurando trazê-las para a APM, para que façam uso da nossa infraestrutura de eventos e possamos avançar em conjunto.

P –A telemedicina é uma realidade que se mostra cada vez mais eficaz no atendimento da população. Como a APM tem trabalhado as ferramentas digitais e outras tecnologias junto aos associados no sentido de contribuir para melhorar a qualificação da atenção à saúde no País?

Antônio José Gonçalves – Junto com a Associação Médica Brasileira, atuamos no Parlamento para aprovar a telemedicina. Temos desenvolvido ferramentas digitais e tecnologias para os associados, a fim de melhorar a atenção em saúde. Existe a capacitação em telemedicina geral, na qual o médico se familiariza com as ferramentas e entra em contato com a Lei Geral de Proteção de Dados, a famosa LGPD, para não haja infrações e a consulta se desenrole de maneira adequada – lembrando que o atendimento presencial deve ser requisitado quando for necessário. O valor da consulta à distância deve ser o mesmo da presencial, uma vez que envolve, da mesma forma, a responsabilidade médica.

Estamos otimizando também a telemedicina em especialidades como endocrinologia, dermatologia e outras. E a ideia é que possamos utilizá-la como suporte para os médicos que estão mais distantes e têm dúvidas que podem ser esclarecidas.

Além disso, o curso de capacitação deve ser melhorado no decorrer deste ano e no ano seguinte, pois gostaríamos de ter exemplos práticos. A população poderia fazer consultas na APM com nossos preceptores, e os médicos que passarem pelo curso veriam como prestar o atendimento por telemedicina de maneira ética e segura, compreendendo os limites da atividade.

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