O clima e o gado

 



17 | SET | 2021

A dona-de-casa que reclama do preço proibitivo da carne nos supermercados não sabe, mas esse tema está na pauta de lideranças mundiais e já é pensado global e estrategicamente. Por conta das mudanças climáticas, os preços da carne podem se tornar ainda mais proibitivos. 

Durante dez anos, pesquisadores da USP em Ribeirão Preto simularam os efeitos do aumento de temperatura e menor oferta de água sobre a qualidade do pasto, que serve de alimento para mais de 90% do gado de corte brasileiro. Eles constataram que a qualidade das folhas será severamente afetada nos próximos anos conforme a temperatura sobe. Com isso, vai ser mais difícil engordar o gado, ou será preciso complementar a alimentação dos animais, o que tende a reduzir a oferta ou encarecer ainda mais a carne bovina. E não é só isso: com menos proteína e mais lignina (um componente indigerível pelos animais) bois produzirão ainda mais metano no seu processo digestivo, aumentando a atividade que já é considerada uma "vilã" do clima, num ciclo vicioso.

Os cientistas argumentam que não dá mais para adiar medidas para tentar sanar esse problema e estancar os avanços dos efeitos nefastos das mudanças climáticas. É preciso mitigar o uso dos recursos hídricos pela agropecuária e desenvolver novas forrageiras (como são chamadas as plantas usadas na alimentação animal) mais resistentes ao calor e à falta de água.

"Por mais que empresas de pesquisas, universidades e Embrapa (agência de pesquisas agrícolas) tentem desenvolver variedades de grãos mais adaptadas a secas prolongadas e a temperaturas mais elevadas, o clima está ganhando a guerra. A agricultura tem que se preparar para isso", avalia Carlos Nobre.

A organização não governamental Planet Tracker apontou em relatório que o desmatamento para abertura de novas áreas para agricultura e pecuária vem alterando o regime de chuvas no Brasil e pode reduzir a eficiência da produção brasileira. Junto com isso, as mudanças climáticas também estão liberando para agricultura e pastagens áreas na Rússia ou Canadá, antes improdutivas por conta do frio, o que deve oferecer mais concorrência para o Brasil.

A poucos dias da Cúpula Mundial sobre Sistemas Alimentares, que acontece em Nova York na próxima terça, uma aliança entre três agências das Nações Unidas conclama os governos a redirecionarem US$ 470 bilhões em subsídios à agricultura que consideram nefastos nos planos social e ambiental.

A FAO, agência para agricultura e alimentação; o Pnud, programa para o desenvolvimento; e o Pnuma, programa para o meio ambiente, calculam que, globalmente, os subsídios aos produtores agrícolas alcançam quase US$ 540 bilhões por ano, ou 15% do valor total da produção agrícola. Desse montante, 87% têm efeito distorcido e leva à ineficiência, é desigualmente distribuído (colocando os grandes negócios agrícolas à frente dos pequenos produtores) e é prejudicial ao ambiente e à saúde humana.

Ricardo Abramovay comenta sobre as iniciativas que tentam reverter o atual quadro, elevando ao máximo a diversidade contida na vida do solo e aproveitando a capacidade de fixação de nitrogênio de várias leguminosas, o que inibe o uso de fertilizantes nitrogenados.

Apesar do ceticismo local sobre a real implementação das medidas sugeridas pela ONU, ou na efetivação de mudanças em relação ao gado brasuleiro, a imensa desigualdade social que afeta o mundo e só faz aumentar o mapa da fome em vez de diminui-lo, prenuncia que as mudanças climáticas podem provocar uma catástrofe ainda maior nesta seara na próxima década.

 

Definitivamente, conforme todos os indícios, o gado terá que mudar de pasto, e se adaptar a novas condições e a uma nova realidade.

#ARTIGOS

Natalie Unterstell - Bancos e mudança do clima: um olho no risco, outro na oportunidade

Salvador Nogueira - Carbono Zero: a locomotiva e o abismo

Thomas E. Lovejoy e André Guimarães - Reflorestar a Amazônia

Djamila Ribeiro - É preciso haver uma frente ampla nacional para frear os danos ao meio ambiente

#EMPRESAS

Echoenergia anunciou que irá promover o seu primeiro leilão virtual para a venda de Certificados de Energia Renovável (I-RECs) na próxima segunda-feira.

Taiwan Semiconductor Manufacturing (TSMC), maior fabricante de chips para terceiros do mundo, pretende atingir emissão de carbono líquida zero até 2050.

BRF e a holding Pontoon anunciaram ontem uma parceria para a construção de um parque de energia solar no Ceará. Os investimentos chegam a R$ 1,1 bilhão.

Amaggi anunciou compromisso de eliminar o desmatamento (legal e ilegal) em sua cadeia de fornecimento até 2025 e de se tornar carbono neutro até 2050.

CBMM, fabricante de produtos de nióbio, fechou parceria com a Volkswagen Caminhões e Ônibus para desenvolver e aplicar baterias de recarga ultrarrápida em veículos elétricos da montadora.

#ENTREVISTAS

Compromisso - O diretor-presidente da Ambev, Jean Jereissati, disse em evento on-line que falar publicamente sobre projetos em andamento que envolvam melhores práticas ambientais, sociais e de governança é uma forma de reforçar o compromisso da empresa.

Impacto - Ricardo Anderáos, da consultoria Oré, falou à Exame que o setor privado está mais exigente e trocando o apoio de antes por iniciativas conjuntas de impacto.

#EVENTOS

Mudanças Climáticas - Grandes especialistas da área estarão reunidos para debater o futuro do setor elétrico e os impactos que as mudanças climáticas vão acarretar neste setor tão importante da economia brasileira. O Climatempo Sustainability Summit Energia - O impacto das mudanças climáticas no setor elétrico nacional acontece às 15h do dia 20 de Setembro.

Descarbonização - O economista Joaquim Levy fala sobre a rota para a descarbonização do Brasil hoje, excepcionalmente às 10h30, na live do Valor Econômico.

Preservação - A Fundação Rede Amazônica (FRAM) e o Instituto Soka promovem no dia 21 evento online sobre a importância da preservação do DNA das espécies, através do banco de sementes, e ainda, trazer projetos e modelos de cidades sustentáveis que vem dando certo país afora e podem ser adaptados.

#AGRONEGÓCIO

Agricultura Regenerativa - A suíça Nestlé anunciou que vai investir 1,2 bilhão de francos suíços (cerca de US$ 1,3 bilhão) nos próximos anos para estimular a agricultura regenerativa - que visa proteger e restaurar o ambiente, melhorar os meios de subsistência dos agricultores e aumentar o bem-estar das comunidades rurais.

Prejuízo - A cana-de-açúcar e o café arábica, dos quais o Brasil é o maior produtor global, são as duas commodities agrícolas que mais devem perder produtividade por causa das mudanças climáticas no longo prazo. A estimativa aparece em um estudo publicado hoje pelo Stockholm Environment Institute, um centro de pesquisas sobre clima e desenvolvimento criado na Suécia em 1989.

Sequestro de Carbono - A Cargill anunciou um novo programa que vai compensar os produtores pela adoção de práticas ambientais. Os agricultores que mantiverem suas terras com vegetação nativa ao longo do ano ou que aumentem o plantio direto podem receber US$ 20 por tonelada de carbono sequestrado.

#CLIMA

Mercado de Carbono - A Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados realiza audiência pública hoje para debater o Projeto de Lei que regulamenta o mercado de carbono.

#DIVERSIDADE

Conselhos - Do início de 2020 até junho deste ano, 54 empresas fizeram ofertas públicas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês) na B3. Dessas, 41% não tinham nenhuma mulher no conselho de administração quando abriram o capital. É o que mostra levantamento feito pela consultoria e auditoria EY e pela organização sem fins lucrativos que promove a igualdade de gênero 30% Club.

#ENERGIA

Conta mais barata - Um estudo divulgado mostra que a conta de luz dos brasileiros, que aumentou cerca de 20% nos últimos 12 meses, poderia estar até 25% menor se o governo tivesse feito o seu dever de casa e investido em eficiência energética. 

Crise Hídrica - O nível dos reservatórios do Sudeste/Centro-Oeste alcançou o menor patamar, pelo menos, desde a crise de 2001, quando ocorreu o maior racionamento da história do Brasil. Água nos reservatórios de ambas as regiões alcançou 18,2%.

Startups - Parcerias com startups têm impulsionado algumas iniciativas de ESG da Ambev e do Grupo Boticário. A Ambev, por exemplo, fechou uma parceria com a Lemon Energia para permitir que bares e restaurantes comprem energia renovável e reduzam os gastos com a conta de energia.

#FINANÇAS

Bioeconomia - A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, movimento que reúne mais de 300 representantes do agronegócio, indústria, ONGs, setor financeiro e pesquisadores, lançou hoje um documento de nove pontos sobre bioeconomia. A entidade defende um plano de ação e a criação de uma política nacional com incentivos fiscais para posicionar o país na vanguarda desta nova frente econômica.

Bolsa Verde - A prefeitura do Rio tem planos para reabilitar o mercado de capitais da cidade com o lançamento de uma nova Bolsa de Valores. O projeto prevê uma bolsa focada na economia de baixo carbono e na negociação de ativos verdes.

Bônus ESG - A B3 lançou seu sustainability linked bond (SLB, na sigla em inglês), tornando-se a primeira operadora de bolsa do mundo a emitir esse tipo de bônus atrelado a algum critério ESG. A B3 foi a primeira brasileira com um título com metas exclusivamente sociais.

#INTERNACIONAL

Racionamento Chinês - A China corre o risco de enfrentar outro inverno de escassez de energia. A demanda por aquecimento aumentará quando as temperaturas caírem nos próximos meses no hemisfério norte, o que pode levar a um racionamento de energia semelhante ao observado no inverno passado e no verão.

#MEIO AMBIENTE

Garimpo - Um força-tarefa coordenada pela Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça e Segurança Pública prendeu 13 pessoas e apreendeu 64 aeronaves durante operação para combater o garimpo ilegal, retirar invasores e reestabelecer bases de proteção etnoambiental na Terra Indígena Yanomami, em Roraima.

Monitoramento - Agricultores que precisam monitorar o reflorestamento das áreas onde produzem passam a ter uma ferramenta que facilita o processo. O aplicativo Radis Cerrado, criado pelo Centro de Gestão e Inovação da Agricultura Familiar (Cegafi) da Universidade de Brasília (UnB), já está disponível e é gratuito.

Óleo de Cozinha - Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Óleos Vegetais (Abiove), o consumo de óleo vegetal comestível foi de 4,7 bilhões de litros em 2019, porém, 1 bilhão de litros que poderiam ser reciclados e transformados em outros produtos estão indo para o ralo, e ainda prejudicando o meio ambiente.

#SOCIAL

Captação - Sete cooperativas do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST) concluíram ontem a captação de R$ 17,5 milhões no mercado de capitais, numa operação de impacto socioambiental inédita no país. Os recursos beneficiarão 13 mil agricultores.

Estratégia ESG é uma iniciativa de Alter Conteúdo em parceria com a agência epbr

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