GAUDÊNCIO
TORQUATO
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A decisão do STF de mandar soltar José Dirceu, ex-todo poderoso
manda-chuva do PT, traça uma linha divisória no sistema de prisões temporárias
de longo prazo, tão bem acolhido pela primeira instância do Judiciário, sob o
guarda-chuva protetor do Ministério Público. A 2ª turma do Supremo impôs limites
ao tempo dessas prisões, mesmo diante do parecer do relator, ministro Edson
Fachin, a elas favorável. A decisão ganha repercussão no universo dos operadores
do Direito em um momento de polarização entre posições, envolvendo as visões
contrárias de advogados e o insistente posicionamento favorável de procuradores
e do juiz Sérgio Moro.
Um
grupo enxerga na decisão de nossa mais alta Corte um golpe contra a Operação
Lava Jato, enquanto os advogados festejam o ato como gesto de que a Justiça
volta ao seu prumo, depois da primeira instância dar guarida a “exageros e
aberrações”, como alguns chegam a designar as alongadas prisões
temporárias.
É fato que as prisões
temporárias se fazem necessárias para apuração de denúncias e servir de escudo
contra ações de implicados no sentido de destruir provas e obstruir, caso
estivessem soltos, as veredas da Justiça. Mas é igualmente fato que as detenções
não podem ultrapassar determinado limite de tempo, sob a hipótese de que os
detidos não foram julgados e a longa permanência em prisão, sem condenação, pode
ser considerada como evidência de injustiça.
Não é o caso de marcar com
feição politiqueira atitude de ministros que concederam a liberdade ao
ex-ministro José Dirceu, sendo uma impropriedade distinguir neles a pecha de
“traidores da justiça”. O fato de magistrados registrarem, em seu passado, um
pedaço de história que os liga a protagonistas da política – partidos ou
lideranças – não os desabilita ao cumprimento das altas funções para as quais
foram escolhidos. Nem mesmo quando tais figurantes assumem papel de vulto nos
gigantescos processos em curso, como é o caso da Operação Lava Jato.
A par de questões de
natureza ética, há um superpoderoso juiz a julgar os julgadores: a Opinião
Pública. Esta se forma a partir do amálgama das opiniões individuais,
constituindo um gigantesco estuário em que deságuam as águas oriundas dos canais
e filtros que guardam juízos de valor de classes sociais, grupamentos, setores e
movimentos. Juízes que fugirem às regras que balizam sua profissão são jogados
no palco midiático. Não terão salvação quando jogados na fogueira acesa pela
opinião pública.
É
imperioso reconhecer que o espelho de Narciso ilustra paredes de salas de um
grupo de procuradores. Não há como deixar de reconhecer que alguns perfis
apreciam os adornos de espetáculos espalhafatosos. Preparam atos litúrgicos para
falas aguardadas com expectativa, investem-se de “salvadores da Pátria”,
assumindo a dicotomia: “ou nós ou o caos”. Compreende-se o vigor com que fazem
denúncias e investigações e é elogiável seu esforço para defender a sociedade
contra máfias e teias de larápios que intentam surrupiar os cofres do Estado. O
erro, quando há, está na dosagem exagerada.
A política é uma
paisagem devastada. Urge recompor a roça política com novas árvores, adubo,
remoção de entulhos. Nessa tarefa, as funções do Judiciário, do Ministério
Público e da Polícia Federal são imprescindíveis. Mas nada irá prosperar sem o
envolvimento da própria classe política, que cumpre missão de representar a
sociedade nas casas do Poder Legislativo e produzir normas para o bem-estar e a
harmonia social. Infelizmente, esse instante do país é propício à discórdia, às
agressões recíprocas entre membros dos Poderes de Estado. Daí a necessidade de
um pacto pela grandeza da Nação. Por este pacto, cada Poder deve cumprir o que
lhe condiz, sem um querer invadir o espaço do outro e com obediência aos códigos
e leis que formam o Estado de Direito. Cada qual com seu bornal.
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Gaudêncio Torquato, jornalista,
professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter:
@gaudtorquato
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