GAUDÊNCIO
TORQUATO
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Em seu clássico Considerações sobre o
Governo Representativo, o filósofo inglês John Stuart Mill classifica os
cidadãos em ativos e passivos, esclarecendo que os governantes preferem os
segundos, por ser mais fácil dominar súditos ou pessoas indiferentes, mas a
democracia necessita dos primeiros. E aduz: “os
súditos podem ser transformados em um bando de ovelhas que se dedicam tão
somente a pastar uma ao lado da outra”. Norberto Bobbio arremata a ideia
com este sarcasmo: “e as ovelhas não reclamam nem
mesmo quando o capim é escasso”.
A imagem calha
nesses tempos turbulentos. Um clamor cívico tem se avolumado sob a
arregimentação de ativistas de movimentos que se engajam em um processo de
cidadania ativa, cuja força deriva da Constituição de 88. A Carta Magna é o
marco que abriu horizontes de participação social. Pode-se até dizer que ali
tomou corpo a redistribuição da política: deixou de ser um movimento de cima
para baixo ou do centro para as margens para se tornar uma força de baixo para
cima e para os lados.
O poder centrífugo,
representado pelos Poderes formais (Executivo, Legislativo e Judiciário), passa
a ser alvo de um rolo compressor, sob o manto de demandas e críticas da
sociedade organizada, representada por movimentos de todos os tipos. A isso se
pode chamar de micropolítica, uma modalidade que faz ecoar exigências e
expectativas de comunidades.
A micropolítica
carrega novas formas de contestação, ancoradas em novos circuitos de
representação como associações, sindicatos, sondagens de opinião, grupos de
regiões.
O fenômeno da
internet, que abarca cerca de 50% da população mundial é outra frente de enormes
impactos. A revolução digital que ganha celeridade a cada instante amplifica ao
extremo as possibilidades de interação, quebrando os eixos e as formas
tradicionais da comunicação massiva.
O fato de um alto
ministro da mais alta Corte do país, o Supremo Tribunal Federal, poder ser
criticado logo após proferir um voto, era algo inimaginável anos atrás. Trata-se
de uma virada de mesa no fluxo informacional: as fontes, antigamente muito
limitadas, se multiplicam por todos os espaços. Cada internauta pode ser fonte
de informação e análise. Ou seja, a antiga equação da comunicação –F+C+M+R
(Fontes, Canais, Mensagens, Receptores) – ganha nova leitura: as fontes
encontram na rede tecnológica um leito natural para manifestar expressão,
condição que só poucos continuam a ter na mídia tradicional (jornais, revistas,
rádio e TV).
Esse novo
posicionamento amplifica a teia de comunicação democrática. O progresso
tecnológico redunda em maiores controles sobre a vida social e as tarefas do
Estado. O processo de investigação da corrupção pela Operação Lava Jato ganha
apoio maciço da sociedade. E assim, as redes sociais contribuem para oxigenar as
veias cívicas da Nação. A inserção dessa pauta no sistema cognitivo da sociedade
seria algo impensável caso tivesse como correia de transmissão apenas a mídia
tradicional. Sob esse entendimento, podemos aduzir que o país começa a enterrar
o ciclo da velha política sob a tuba de ressonância das mídias sociais. Novos
comportamentos, novos atores, nova modelagem – eis a paisagem que sai das tintas
dos milhões de internautas.
Por tudo isso, é razoável apostar na hipótese de que o Brasil, apesar
de todas as mazelas, caminha bem na trilha civilizatória.
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Gaudêncio Torquato, jornalista,
professor titular da USP é consultor político e de comunicação. Twitter:
@gaudtorquato
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