Alienados

Reginaldo Villazón

Em 1998, nos Estados Unidos, foi fundada a revista Justice Denied (Justiça Negada), sem fins lucrativos, com a finalidade de denunciar casos e conscientizar o público sobre práticas judiciais indevidas, acusações irregulares e condenações injustas ao redor do mundo. Hoje a Justice Denied é uma organização social com site na internet, onde coloca à disposição artigos, informações e dados para consulta gratuita. Seus arquivos de inocentes têm mais de 6.000 nomes, inclusive de condenados à morte.

Não podemos atribuir, a tudo isso, apenas erros judiciários. Uma das causas das injustiças é a distância que existe entre o poder judiciário e a realidade social, que se influenciam, mas não se unem. Mesmo em países onde o poder judiciário é bem conceituado, as injustiças sociais existem. Existem desigualdades imensas, privilegiados e prejudicados, opressores e oprimidos, incluídos e excluídos. Em nível mundial, a desconexão entre o poder judiciário e a realidade social é alarmante.

Hoje temos no Brasil um cenário que nos dá perplexidade. Sabemos quem cometeu erros graves na condução da economia do país, sabemos quem se beneficiou de dinheiro de propinas, sabemos quem tem fortuna ilícita depositada em bancos estrangeiros. No entanto, juristas de grande competência tiram conclusões opostas sobre estas questões à luz das leis. Alienados da realidade, eles discutem as leis, não a realidade. Chegam a descartar verdades relevantes por elas não se enquadrarem na forma das leis.

Mas o pior vem agora. Juristas de renome analisam e concluem que muitas coisas que parecem convergentes – Ciência Jurídica, Justiça, Verdade, Moral e outras – não se juntam. A Ciência Jurídica procura estabelecer conceitos puros. A Justiça visa sustentar a ordem e a harmonia de todos na sociedade. A Verdade quase nunca está intacta nos conteúdos dos processos jurídicos. A Moral é um componente cultural variável. Além disso, as leis podem sofrer interpretações diversas, ser defendidas e ser contestadas.

Para uma comparação, lembremos de como era a justiça nas sociedades tradicionais. Nelas as regras, decisões e considerações eram emitidas pelos líderes e anciãos, com prudência e sabedoria, e acatadas por todos com respeito. Um modelo de justiça simples e eficiente. Mas hoje nós vivemos uma realidade maior e conturbada. Interesses e conflitos não respeitam dignidade alguma. A competição capitalista transfigura seres humanos em bestas econômicas. O medo de ser descartado desperta instintos primitivos.

Felizmente, o presente teatro de horrores não vai durar para sempre. As sociedades humanas ainda têm muito para experimentar e aprender. Muito para mudar e evoluir. Em vários países, inclusive no Brasil, cresce o número de interessados na discussão de modelos políticos, jurídicos, sociais e econômicos mais produtivos. Sábios juristas garantem: à distância, o poder judiciário e a realidade se comunicam e se inspiram. Isto basta para mantermos vivas nossas esperanças num futuro menos complicado e mais justo.

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