Lições suíças, por José Renato Nalini

Estive durante alguns dias na Suíça, mais exatamente em St Moritz, participando de evento promovido pelo GCSM – Global Council of Sales Marketing, integrante do World Company Award. O objetivo do encontro foi motivar empresários estrangeiros a investir num Brasil tão necessitado de confiança.

Coube-me falar sobre a Justiça e, mais do que levar a experiência adquirida em quatro décadas de Magistratura Paulista, trouxe na bagagem lições que me serviram e me servirão bastante.

St Moritz é um burgo turístico encantador. Possui cinco mil habitantes que devem contar com infraestrutura suficiente para hospedar de 30 a 100 mil visitantes na temporada de inverno. Ali esquiam e praticam outros esportes de neve sofisticados turistas de todo o mundo.

A cidade faz por merecer. Cada cidadão se sente responsável pelo clima de receptividade. Todos são campeões de polidez e simpatia. Mais do que isso, consideram-se zeladores e guardadores de uma natureza esplendorosa.

Não há lixo, nem sujeira. Não há pichações. Nada é jogado à rua ou ao lago, cuja limpidez permite se enxergue o fundo, com seus peixes, suas pedras de várias tonalidades, sua vegetação exuberante. Cada fio d’água que desce as montanhas no degelo de verão é bem recebido e merece atenção permanente. Riachos e quedas d’água são amparadas por pedras, abundantes na região, a orientar caminhos e a direcioná-los todos ao enorme complexo lacustre que ornamenta a paisagem.

Não há matagal. Todos os espaços são preenchidos por flores. Lavandas, papoulas, margaridas, bocas-de-leão e outras espécies alpinas preenchem todos os espaços. Não há casa em que não haja um jardim bem cuidado e em cada janela vasos com amor-perfeito de todas as cores enfeita a cidade e é um eloquente voto de boas-vindas.

Soube que as crianças se encarregam do replantio e da manutenção de todas as áreas. Públicas ou não. É o sentido de pertencimento a uma comunidade que sobrevive da crescente visitação de seres humanos em busca de beleza, ordem e civilidadeOs policiais são poucos, mas muito respeitados. Mais do que isso, ganham o afeto da população. Todos os conhecem por nome. São amigos, são protetores. São os profissionais mais prestigiados da comunidade.

As crianças vão sozinhas para a escola e desde muito cedo. Vi garotas de cinco anos carregando suas mochilas e sorrindo felizes. Outras se utilizavam de patinete. Grupos sorridentes, com roupas coloridas e aquele pesado "armamento" com que se sobrecarrega qualquer criança em idade escolar, mas num clima de serena alegria.

Fomos recebidos pelo Prefeito local, Sigi Asprion, que nos recebeu à porta da Prefeitura. Conosco subiu as escadarias. Abriu as portas do seu gabinete. Acionou o sofisticado aparelho para a exibição de filmes institucionais. Serviu água e ofereceu um chaveiro com as insígnias da cidade cuja fundação se deve a São Maurício, daí o St Moritz – e tudo sem um auxiliar ou assessor. Que diferença do mundo menos desenvolvido, onde sobram funções estatais e as comitivas são numerosas, como se verifica a cada viagem oficial realizada por qualquer autoridade brasileira ao exterior.

Salário-mínimo de quase 3 mil francos suíços, mas quase todos percebendo mais do que isso. Boa receptividade, polidez, excelente trato. Clima de cortesia que não precisa de campanha institucional. Pouca necessidade de se recorrer ao Judiciário, reservado para as questões realmente complexas. Consciência cidadã de que um conglomerado humano só pode resultar da cooperação de todos, que ali só há lugar para quem está de bem com a vida e que os insuscetíveis de convívio harmônico devem procurar outras paragens.

Pode ser que nem tudo seja perfeito na Suíça. Mas a impressão que fica é a de que o estágio civilizatório garantiu excelente qualidade existencial numa paisagem privilegiada, sim. Exatamente como aquelas com que fomos brindados, mas que, ao contrário dos suíços, fazemos questão de degradar, de dizimar, de poluir e de sujar. Como se este não fosse o nosso País, nem este espaço a nossa casa. Quanto a aprender até nos tornarmos verdadeiros cidadãos do mundo!

*José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo

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