Uso predatório, por José Renato Nalini


A Justiça no Brasil sofre de inúmeros males. Reflete a “era da abundância” que prodigalizou direitos e foi módica em relação a deveres. Todos têm direitos, todos são insaciáveis ao exigi-los. A contraprestação quase nunca é cogitada.
Já tenho um livro esquematizado para refletir sobre a insensatez e os absurdos que vivencio nos últimos anos. Quarenta e um anos depois de ingressar no Ministério Público, trinta e oito anos depois de ser aprovado em concurso público e me tornar juiz, fornecem-me ao menos um tempo de experiência a ser considerado. A sensação de que algo não vai bem no universo Justiça apenas cresceu nos últimos tempos.
Constato, com a melancolia de quem acredita num Judiciário que seja o redentor dos aflitos, que a Justiça é refém de uma série de interesses. Usam-na todos. Os que têm razão, mas parecem levar vantagem os que nunca a tiveram a seu lado.
A sociedade contemporânea considera o tempo uma verdadeira comoditie. E o Judiciário, por uma série de razões, não consegue se ajustar ao ritmo da sociedade que o sustenta. Daí a vantagem desproporcional que levam os infratores de todo o gênero. Aqueles que não teriam, de seus credores, das instituições financeiras, dos bancos, daqueles a quem causaram manifesto mal, o prazo que conseguem num Judiciário de cinco ramos, dois dos quais chamados “comuns”, de quatro instâncias e de dezenas de recursos. Tudo contribuindo para que o conflito não termine, porém se institucionalize com duração infinita.
Mais grave ainda é o uso predatório da Justiça. O ingresso com ações que não precisariam estar no Judiciário. Os milhões de execuções fiscais, numa irracional cobrança de dívida ativa dos Municípios, da União e do Estado. Os dois primeiros não remuneram os juízes estaduais que se responsabilizam por esses processos administrativos, que deveriam ser cobrados pela Administração e que só estão na Justiça porque não parece haver interesse efetivo por uma solução.
Existe explicação para a reiteração de ações idênticas, se o tema já foi definido em várias instâncias? O Judiciário pede socorro e exorta as pessoas lúcidas deste Brasil, para voltar a ser o que sempre deveria ter sido. Mas que não conseguirá, se o caos prevalecer. *José Renato Nalini é presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo

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