Ser direito e ser torto!?

Por Marcos Vicente Acosta Xavier

Sou acadêmico de Direito e, mesmo assim, costumo afirmar que estamos inseridos numa sociedade enviesada, onde o direito é ser torto. Calma, parece loucura, mas, brevemente, tentarei explicar a minha afirmativa narrando um recente fato que marcou muito na minha memória e ocorreu no trânsito de Porto Alegre, mais precisamente, em meados de 2013.  
Numa certa tarde de abril, lá estava eu, soberano e seguro, no alto da minha plena consciência de base legalista, conduzindo um automóvel e cumprido as regras de trânsito.  
Transitava cuidadosamente por uma renomada rua, de um bairro nobre da capital gaúcha. Minha missão era levar a minha primogênita para o seu treino diário de natação.
Chegando próximo ao cruzamento imediatamente anterior ao quarteirão que me daria acesso para o estacionamento do clube, avistei uma anciã atravessando a rua, já sobre a faixa de segurança; prontamente conferi através do espelho retrovisor se havia algum veículo logo atrás e reduzi gradativamente a velocidade.  
Percebi que estava sendo seguido por um automóvel sedã de grande porte, possivelmente um importado, daqueles clássicos chamados popularmente de "seis canecos" ou beberrões, cuja média de consumo de combustível é altíssima, típico carrão de "quem pode pagar", o qual estava a uma distância razoável, segura o bastante para que eu parasse e desse prioridade àquela pedestre. Lembro aqui que essa atitude é obrigatória, está prevista no Código Brasileiro de Trânsito.
Sendo assim, parei, conforme determina a norma legal vigente, a anciã continuou sua travessia; muito embora à minha direita passava outro veículo que literalmente "cantou pneu". Creio que isso ocorreu por absoluta desatenção de seu condutor, enquanto atrás o "importado" estava parando; mas até aí tudo bem, pois a idosa estava atenta e teve presença de espírito suficiente para concluir o seu objetivo.
Então dei continuidade ao percurso, arrancando lentamente em direção ao clube, que estava aproximadamente 70 metros adiante. Eis que para minha grande surpresa, neste momento o automóvel pomposo arrancou ruidosamente e enquanto me ultrapassava fui "devorado com os olhos" pelo seu condutor, inclusive provocando espanto e curiosidade na minha filha, que logo me perguntou se ele estava olhando com raiva para mim.
Surpreso, respondi que as evidências me inclinavam a acreditar que o homem estava irritado.
Nesse ínterim, cheguei finalmente em frente ao clube e o "motorista aparentemente nervoso" precisou parar mais uma vez, pois o sinal estava vermelho, ficando praticamente lado a lado comigo, onde eu estava estacionando, já no recuo da calçada que me levaria, logo após o desembarque da menina, ao subsolo do estacionamento da agremiação.
Curioso e preocupado com a atitude daquele senhor, tentei amainar a situação, fitando-o com um simpático sorriso; foi grande o meu engano; vou além, maldita hora que tentei me utilizar da urbanidade, pois pasme, meu caro leitor e avaliador, o motorista desceu o vidro, "esticou" o olhar, colocou meio corpo para fora do carro e bradou um retumbante "...tão" para mim, saindo em altíssima velocidade.
Minha reação foi ficar estupefato, mas não perdi o senso lógico, permaneci com o meu sorriso e retribuí o xingamento respondendo que também o amava.
Resumindo, fui hostilizado por ter cumprido a lei. Mas, onde quero chegar com essa história? A cada dia que passa mais me convenço que é extremamente difícil ser um "cumpridor de leis" neste país, considerando o avançado estado de inversão total de valores instituído. Não querendo me estender, mas realmente o que falta ao brasileiro é a noção, a educação e o espírito de cidadania. O que adianta termos leis se elas não são respeitadas, aceitas de cumpridas?
Marcos Vicente Acosta Xavier: Acadêmico do Curso de Direito da UFMS – Câmpus de Três Lagoas. E-mail: acostaxavier@bol.com.br

Comentários

Postar um comentário